Kassab ganhou a disputa de Bolsonaro pelo coração e a mente de Tarcísio de Freitas?

Aprovação da reforma tributária significa uma nova era na Câmara? Foto: EBC

Tem o dedo de Gilberto Kassab, 62 anos, o comportamento do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, apoiando e trabalhando pela aprovação (em dois turnos) da reforma tributária pela Câmara dos Deputados na madrugada desta sexta-feira (07/07). Tarcísio atuou contra a orientação do seu mentor político, o ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL). Como essa desobediência irá contribuir para o futuro da carreira política do governador paulista o tempo responderá. Por hora, o que temos de concreto para conversar é que Kassab está ganhando por um a zero de Bolsonaro a disputa pelo coração e a mente de Tarcísio. O que essa vitória significa? É sobre isso que vamos refletir para facilitar a vida dos jovens repórteres que estão na correria da cobertura diária dos noticiários e dos leitores de um modo geral.

Primeiro, vamos seguir o manual do bom jornalismo e contextualizar a nossa conversa. Nos tempos das máquinas de escrever nas redações diríamos que vamos mostrar o pano de fundo onde as coisas estão acontecendo. Trata-se de dois planos diferentes para a carreira política do governador de São Paulo, que é a estrela máxima na enxurrada de governadores e parlamentares (deputados federais e senadores) eleitos e reeleitos graças ao prestígio político do ex-presidente da República. Kassab é economista, engenheiro, ex-prefeito de São Paulo, ex-ministro (duas vezes), dirigente do Partido Social Democrático (PSD) e atualmente secretário de Governo e Relações Institucionais de São Paulo. Ele tem boas relações com todos os políticos, incluindo o atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O plano dele para a carreira política de Tarcísio de Freitas é meticuloso. Prega que o governador deve concorrer à reeleição no cargo para consolidar a sua imagem de governante e, com isso, se tornar viável para disputar a Presidência da República. É um plano prudente. Mas tem lá a sua lógica, porque uma coisa é disputar uma eleição polarizada, como foi a de Bolsonaro e Lula. Outra coisa é uma eleição que tenha um candidato de centro com possibilidades de se eleger, o que todos os analistas políticos e comentaristas da imprensa acreditam que irá acontecer em 2026. Kassab é um articulador político que age nos bastidores. O plano de Bolsonaro para a carreira política do governador é simples. Ele deve se firmar no cenário nacional seguindo a trilha deixada por ele, Bolsonaro, que o levou à Presidência da República em 2018. O estilo de fazer política do ex-presidente é se tornar conhecido comprando briga com todo mundo. Defendendo teses negacionistas e pregando o golpe de estado sempre que surge uma oportunidade. Bolsonaro foi parlamentar durante quase três décadas e o seu grande orgulho era virar manchete dos jornais falando coisas absurdas, como o apoio aos torturadores dos presos políticos durante o golpe militar de 1964. Esse comportamento é um dos motivos pelos quais o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o tornou inelegível pelos próximos oito anos. Além disso, existem contra ele mais de 300 processos, inquéritos policiais e outras encrencas com Justiça.

A imagem que mais machucou o ex-presidente foi ver ombro a ombro, lutando pela votação da reforma tributária, Tarcísio de Freitas e Fernando Haddad, ministro da Fazenda. Os dois disputaram o governo de São Paulo em 2022. O ministro foi extremamente hábil na condução das negociações sobre a votação da reforma, que é uma emenda à Constituição (PEC) que repousa nas gavetas do Legislativo há três décadas. Toda a caminhada da reforma na Câmara aconteceu graças ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP/ AL), que conseguiu transformar a votação em um projeto de Estado, o que significa longe da disputa partidária. O próximo destino da PEC é o Senado. Uma lembrança importante. Lira foi um importante aliado político do ex-presidente durante o seu mandato – há matérias na internet sobre o assunto. Nos dias atuais, ele e outros ex-aliados de Bolsonaro estão fazendo novas alianças políticas e tocando em frente as suas carreiras. É assim o jogo político. Por falar em jogo, lembro os colegas que faz parte da tradição da imprensa especular sobre quem serão os próximos eleitos já no dia seguinte à posse dos atuais ocupantes dos cargos no Legislativo e principalmente no Executivo. Mesmo nos tempos da ditadura militar (1964 a 1985) havia essa especulação. Hoje, ela foi turbinada pelas redes sociais, onde operam fábricas de fake news poderosas e eficientes.

Para arrematar a nossa conversa. Seja lá o que venha por aí na corrida pelos cargos nas próximas eleições gerais, o que vai acontecer está começando a se desenhar nos dias atuais. Como mostrou a aprovação da reforma tributária, em dois turnos, pela Câmara, começa a se cristalizar entre os deputados federais o sentido de que podem mudar uma realidade. Claro, eles ainda votam em projetos de interesse do governo em troca de emendas parlamentares, empregos na máquina pública e outros benefícios. Mas a aprovação da reforma é uma amostra de que algum sentimento novo está brotando no Legislativo. O que é exatamente esse sentimento nós vamos saber com o tempo. Em quatro décadas como repórter investigativo costumo dizer que já vi coisas que até Deus duvida que exista. Portanto, o que vier por aí pode ser uma surpresa. Vamos esperar para ver. Como dizia um velho editor da editoria de polícia sempre que dava uma pauta para um repórter: “Tudo pode acontecer, até tu fazeres uma boa matéria”.

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