
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 79 anos, não pode “pagar para ver” se se trata de mais uma bravata as ameaças do seu colega americano, Donald Trump (republicano), 78 anos, de que irá abandonar o cargo de xerife do mundo e exigir que cada país seja responsável pela sua própria segurança. Ou seja, quem tiver dinheiro para investir nas suas forças armadas garante a integridade do seu território. Quem não tiver, fica abandonado à própria sorte. Vejo nesta situação uma oportunidade para o Brasil investir em treinamento e equipamento das suas Forças Armadas e em mudanças nos currículos das escolas militares. Vamos conversar sobre o assunto.
Se é bravata ou um fato real que os Estados Unidos vão abandonar a estrela de xerife do mundo é uma pergunta que já foi respondida pelos governos dos países que integram a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), parceiros dos americanos desde o final da Segunda Guerra Mundial (1939–1945). Eles acreditam que não poderão mais contar com os Estados Unidos e já estão alocando recursos nos seus orçamentos para investir em treinamento e aparelhamento das suas forças armadas. Citam dois principais motivos para a sua crença. O primeiro é que Trump continua dizendo e fazendo movimentos para tomar “na mão grande” o Canal do Panamá e a Groenlândia. E o segundo, e mais grave, é a retirada do apoio financeiro e militar que os Estados Unidos, como membro da OTAN, vinham dando à Ucrânia desde que o país foi invadido pela Rússia, em fevereiro de 2022. Trump assumiu o mandato em 20 de janeiro e praticamente trocou de lado na guerra, ignorando os ucranianos e os europeus e passando a negociar diretamente com o presidente russo Vladimir Putin, 72 anos, a quem admira e julga-se amigo. Ao mesmo tempo, começou a hostilizar o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, 47 anos. Na última sexta-feira de fevereiro (28/02), num encontro no Salão Oval da Casa Branca, Trump e seu vice, J. D. Vance, 40 anos, “armaram um barraco” contra Zelensky que por pouco não foi “para o tapa” depois que ucraniano chamou Putin de carniceiro e não confiável, e exigiu maiores garantias dos Estados Unidos para encerrar a guerra que já dura três anos. Na última terça-feira (04/03), no longo discurso de mais de uma hora e meia que fez no Congresso, Trump disse que Zelensky lhe enviou uma carta se submetendo a sua liderança nas tratativas de um acordo de paz.
Nesta conversa no Congresso, o presidente americano repetiu que cada país deve cuidar da sua segurança. Lembro que quando Lula assumiu o governo, em janeiro de 2023, existia um plano de investir R$ 52 bilhões no complexo industrial de defesa brasileiro. Andei vasculhado os noticiários em busca de informações a respeito deste investimento. Não encontrei nenhuma reportagem de peso sobre o assunto, mais um que está ausente das páginas dos jornais. As autoridades brasileiras têm ideia do que significa os americanos exigirem que seus aliados sejam responsáveis e paguem pela sua proteção? Sou um velho repórter estradeiro, 75 anos, quatro décadas na lida da reportagem investigativa e de conflitos agrários. Aprendi em 30 e poucos anos de redação que o repórter precisa caminhar com muita cautela quando estiver enveredando por terreno desconhecido. Daí ser imprescindível não deixar pontos obscuros sobre o assunto do qual está falando. A saída dos americanos do posto de xerife do mundo significa que será criada uma oportunidade para aventureiros investirem contra os indefesos. O Brasil não tem problemas de segurança com os seus vizinhos e duvido que Trump tente tomar algum bem brasileiro “na mão grande”. Nesta área, o problema do Brasil é outro. É com os cartéis de produtores (Peru, Bolívia e Colômbia) e de varejistas (México) de cocaína, que devido ao aumento dos efetivos policiais nas fronteiras dos Estados Unidos estão tendo uma grande dificuldade para abastecer o maior mercado mundial da droga, que são as cidades americanas. Para chegar a este mercado, eles atualmente têm duas opções: levar a droga pelo Oceano Pacífico, a partir de Quito, no Equador, ou penetrando nos rios da Amazônia e despachando a cocaína pelos portos brasileiros no Atlântico. O caminho pelo Brasil é o preferido, porque conta com maior estrutura para o transporte de grandes quantidades, além da “mão de obra” especializada do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Comando Vermelho (CV), duas organizações criminosas formadas por pessoas treinadas, experientes, bem armadas e com conexão com outras quadrilhas no país inteiro. A Força Aérea Brasileira (FAB), a Marinha e o Exército precisam de equipamentos, treinamento e serviço de inteligência para enfrentar essa parada. Atualmente, boa parte das informações vem dos serviços de inteligência americanos. Na Floresta Amazônica, o Exército tem pelotões de combate integrados por índios e outros moradores que conhecem os caminhos no meio do mato como a palma da sua mão. Ajudá-los poderia evitar que muita droga circulasse pelos rios da região e chegasse aos grandes centros urbanos do país, como Rio de Janeiro e São Paulo.
A transformação do território brasileiro em corredor para a passagem de drogas para os grandes centros consumidores ao redor do planeta vem acontecendo há umas três décadas. A decisão de Trump de fortalecer o policiamento nas fronteiras e de retirar a ajuda militar aos seus aliados deve acelerar esse processo. Lembro o seguinte. Para que esse processo se consolide, as quadrilhas precisam se infiltrar entre as autoridades, como aconteceu no México. Quem no governo está falando com Lula sobre este assunto? O que circula entre os jornalistas é que vários ministérios têm abordado partes do problema. Alguém precisa juntar os fatos para o presidente tomar uma decisão. Lembro que no final de 2022 os seguidores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), 69 anos, tentaram dar um golpe de estado. E falharam porque as Forças Armadas não aderiram. O investimento em treinamento, equipamentos e nas escolas militares fortalece as organizações de defesa do território nacional e afasta os oportunistas da caserna. Para arrematar a nossa conversa. Por uma das tais ironias da história, no primeiro mandato presidencial de Trump (2017–2021) os Estados Unidos eram o país que mais exportava commodities (grãos e minérios) para a China. A taxação das importações da China acabou tornando o Brasil o principal fornecedor de commodities para os chineses. No seu retorno à presidência, Trump decidiu que os americanos não são mais o xerife do mundo e criou a oportunidade de modernização das Forças Armadas brasileiras.