A exemplo dos repórteres que fazem cobertura de assuntos especializados, como política, economia e polícia, que acabam adotando em seus textos e comentários o linguajar dos tecnocratas desses setores, os colegas da mídia esportiva explicam o que acontece dentro do campo usando os termos dos técnicos de futebol. O que torna suas explicações claras para um número pequeno de leitores que entende de futebol. E deixam de lado a maioria que adora futebol, mas que não se interessa pelos detalhes técnicos. É necessário que a mídia esportiva encontre um meio-termo nessa questão, o que resultará no aumento do número de leitores, ouvintes e telespectadores. Esse problema do repórter esportivo vem à tona em situações como a Copa do Mundo, que acontece na Rússia, quando o futebol reúne a todos – os torcedores que entendem e os que só adoram o esporte.
Nas redações, costumamos dizer que os caras que escrevem sobre economia falam economês. Grosso modo, nós podemos afirmar que a mídia esportiva fala futebolês. E essa mania que nós, repórteres, temos de acabar recheando os nossos textos e comentários com os termos usados pelos tecnocratas de setores especializados, eu chamo de Síndrome de Estocolmo – um termo que explica o desenvolvimento de amor do sequestrado pelo sequestrador. Sou especializado na cobertura de conflitos sociais e crime organizado. E lembro que, quando comecei a trabalha em redação e trilhar o caminho da especialização, o uso dos termos técnicos era uma maneira de mostrar ao meu leitor que eu entendia do assunto. E também de dar um recado à fonte que não estava tratando com um bobo. Esse procedimento pode ser visto em reportagens que transformei em livros, como A saga do João Sem Terra e Brasiguaios: homens sem pátria. Há uns anos atrás, durante uma palestra, um jovem estudante de jornalismo despertou a minha atenção para o fato de que, ao usar o linguajar especializado sobre o assunto, estaria dificultando a vida do leitor que se interessava pela leitura, mas que não tinha o conhecimento dos detalhes técnicos da questão. Foi uma maneira educada de o jovem me lembrar que esse procedimento era contra o mandamento número um do jornalismo: escrever, falar e mostrar as coisas de maneira que todos entendam.
Comecei a trabalhar em redação em 1979 e sai no final de 2014. Portanto, essa é a primeira Copa do Mundo a que assisto do outro lado do balcão. E estou usando o tempo para conversar com as pessoas, principalmente aquelas que se tornam torcedores de futebol durante as copas e no resto do tempo acompanham o desempenho do seu time do coração de longe. Para a maioria dessas pessoas, é uma barra entender a maneira como relatam o que está acontecendo no jogo os repórteres e os comentaristas. Percebi uma coisa: ex-jogadores de futebol têm mais clareza para explicar o que se passa dentro do campo que os jornalistas. Falam de maneira mais simples, direta e com conhecimento de causa. Durante a cobertura de uma partida de futebol, tipo a do Brasil contra a Servia (vitória brasileira por dois a zero), a mídia esportiva opera em dois polos: em um linguajar especializado – analisando o sistema de jogo –, e o outro no bizarro, tratando o torcedor como um imbecil. Aqui quero refletir com os meus colegas repórteres velhos e com os novatos. A história nos deixou uma lição. Os dinossauros foram extintos porque não se adaptaram às mudanças do mundo. A crise que se instalou na imprensa ao redor do mundo, em particular na brasileira, com a fuga de leitores e anunciantes para as novas plataformas de comunicação, tem a ver muito com a falta de atualização dos conteúdos que publicamos com a realidade do nosso leitor, que muda todos os dias. Lembro que os grandes repórteres, comentaristas e locutores da mídia esportiva se tornaram ícones por falar uma linguagem simples, criativa e direta em suas matérias sobre o futebol. Jornalismo especializado não é símbolo de escrever para um público especifico. Muito pelo contrário. É explicar, de forma simples e direta, o que acontece, de maneira que todos entendam. E assim desde que o mundo é mundo.