Os roteiristas dos filmes de Hollywood popularizaram o personagem que luta contra os trâmites legais para fazer justiça com as próprias mãos e atropelar direitos constitucionais para facilitar a condenação ou simplesmente a eliminação dos acusados. Lembrei-me dessa história quando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli autorizou a abertura de processo para investigar o senador Sergio Moro (União-PR). Ele é acusado de, em 2004, quando era juiz da 13ª Vara Federal, em Curitiba (PR), ter coagido o então deputado estadual e empresário paranaense Antônio Celso Garcia, mais conhecido como Tony Garcia, a fazer uma delação premiada e se tornar o seu “agente infiltrado”, espionando e gravando autoridades como juízes, desembargadores, parlamentares, empresários e até delegados da Polícia Federal (PF). Parte importante das informações fornecidas por Garcia para Moro serviram como base para a Operação Lava Jato (2014 a 2021), que catapultou para o mundo o nome do então juiz da 13ª Vara como símbolo do combate à corrupção. A Lava Jato foi comparada à Mãos Limpas, famosa operação contra a corrupção que aconteceu na Itália (1992 a 1996).
Trocando em miúdos toda essa conversa do primeiro parágrafo: Moro é acusado de ter feito justiça com as próprias mãos em benefício próprio. O fez no caso de Tony Garcia e na Lava Jato. Em 2019, o site The Intercept Brasil publicou uma série de reportagens, batizadas de Vaza Jato, denunciando acordos ilegais entre Moro e o então procurador da República Deltan Dallagnol que acabaram levando à condenação de réus da operação. As denúncias desmancharam a Lava Jato como se fosse um castelo de areia construído na beira do mar. Toda a história dessa operação e o destino dos seus personagens foram fartamente documentados pelos jornais, sites e processos em andamento ou já arquivados pela Justiça. Daquela época, restaram nas redações dos jornais as chamadas “viúvas do Moro”, colegas que tinham acesso privilegiado às informações e davam as manchetes dos noticiários. Sempre que tenho oportunidade cutuco a ferida aberta pelo ex-juiz nas redações. Ele soube usar com maestria a competição entre nós jornalistas para vender o seu peixe. Não tenho nada contra a competição entre os repórteres. Acho-a salutar desde que seja praticada dentro das regras. O que não foi o caso no episódio da Lava Jato. O jornalista que não publicasse um documento vazado por Moro por achá-lo inconsistente ou por qualquer outro motivo era imediatamente retirado da lista dos “de confiança da Lava Jato” e substituído por outro do mesmo veículo. Na ocasião, alertei que o modo como o acesso às informações da Lava Jato estava estruturado lembrava o maior escândalo da história do jornalismo brasileiro, o caso Escola de Base, que aconteceu em 1994, em São Paulo. Os donos de uma escola infantil foram acusados de abuso sexual contra as crianças. Os repórteres acreditaram nas informações do inquérito da Polícia Civil e detonaram os proprietários da escola. No final, descobriu-se que a investigação policial era um amontoado de erros – há matérias disponíveis na internet. Os jornais foram condenados a pagar indenizações milionárias para os acusados, que tiveram as suas vidas destruídas pela arrogância da imprensa.
A arrogância da imprensa é construída por nós jornalistas. Já foi mais ostensiva. Quando comecei na carreira de repórter, em 1979, era normal, por exemplo, a defesa da quebra do rito dos processos como receita para combater a criminalidade. Lembro-me de expressões como “bandido bom é bandido morto”. Nos anos 90 houve importantes mudanças nas redações causadas por dois fatores: a melhor qualificação dos repórteres e o imenso volume de processos na Justiça contra erros cometidos nas matérias que custaram milhões para as empresas. Mesmo assim, restaram nas redações grupos de jornalistas que defendiam o atropelo das leis nas entrelinhas dos seus textos. Esses grupos eram como brasas acessas que restaram de uma grande fogueira. Tudo mudou com o renascimento da extrema direita ao redor do mundo. Primeiro, com a eleição do republicano Donald Trump para presidente dos Estados Unidos, em 2017, que ressuscitou a pregação dos nazistas, na Alemanha, e dos fascistas, na Itália, nos anos 30. Seguindo o caminho aberto pelo presidente americano, no Brasil, em 2018, foi eleito Jair Bolsonaro (PL), defensor de torturadores e policiais violentos e com um discurso golpista. Aqui vale um relato que considero importante. No Brasil, com a ascensão do bolsonarismo e a volta da extrema direita ao poder, surgiu uma imprensa focada nas pautas extremistas, a exemplo dos Estados Unidos e de outros países. Esse tipo de imprensa defende abertamente que “bandido bom é bandido morto”.
Uma das heranças deixadas por Trump e Bolsonaro foram jornais, revistas, TVs, rádios, sites e outras plataformas de comunicação especializados em pautas da extrema direita. Esses meios de comunicação são alimentados por uma poderosa máquina de fake news. Tenho conversado muito sobre esse assunto com historiadores do jornalismo e outros cientistas sociais. Há uma espécie de consenso entre os estudiosos que a turma da extrema direita não é um modismo. São um grupo muito bem estruturado e que tem ao seu dispor uma enorme máquina de comunicação para contar a sua versão da história. Comecei a nossa conversa dizendo que Hollywood popularizou figuras que fazem justiça com as próprias mãos. Mas não vou atirar a bronca toda no colo dos roteiristas. Porque o ressurgimento da extrema direita mostrou que, mais uma vez, a realidade venceu a ficção. Fica a pergunta. De onde o ex-juiz e agora senador Moro tirou a ideia de que faria tudo o que fez e sairia dessa história ileso?
Este levante de direita mundial é financiado com dinheiro de bilionários norte-americanos como a família Koch, captado por ONGS como a Students for Liberty (SFL), que já “formou” centenas de brasileiros em seu ideário egoísta, como Kim Kataguri e o pessoal do MBL. Em 2016, a organização extrema-direitista colocou 1012 agentes no Brasil, ao custo de aproximadamente 630 mil dólares. Dados do site do SFL. Na mesma época, implantou 960 agentes em todo o mundo. O Brasil era a bola da vez. Quem faz doações para a SFL, desconta do imposto de renda. Ou seja: a radicalização da política no mundo está sendo financiada com dinheiro público dos EUA.