Como se tivessem seguido a receita de um bolo, os estrategistas da campanha à reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) fizeram tudo certo na mistura da busca de votos com os festejos do Bicentenário da Independência do Brasil. E conseguiram reunir um mar de gente em Brasília, Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP) como raras vezes foi visto na história política do país. De imediato, e com a promessa de permanecer lá por muito tempo, essa mistura subiu para a primeira página dos noticiários por ter sido considerada ilegal por renomados especialistas em direito eleitoral e pelos quatro principais adversários de Bolsonaro na disputa presidencial, em especial o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que ocupa o primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto. Nas horas seguintes aos festejos a conversa nas redações era que mais uma vez o presidente da República tinha conseguido pautar os jornais. Mais não foi o que aconteceu. É sobre isso que vamos conversar.
No meio da manhã seguinte ao Bicentenário da Independência, eu mandei três WhatsApp para colegas em Porto Alegre (RS), Brasília e Rio de Janeiro, para conversar sobre os eventos do dia anterior. A resposta que recebi era que não podiam falar porque a rainha Elizabeth II, 96 anos, do Reino Unido, estava morrendo, e por conta disso a correria na redação já tinha começado. A um deles respondi: “De novo?”. O comentário foi porque no dia 11 de abril de 2022 a Folha de São Paulo deu uma “barriga” e publicou o obituário da rainha. A notícia ocupou lugar de destaque nos noticiários ao redor do mundo. Na ocasião (15/04) publiquei o post: Você não sabe, mas seu obituário pode estar na gaveta de um jornalista. A Folha reconheceu o erro, acontece. Antes de seguir a nossa conversa vou dar uma explicação que julgo necessária aos meus jovens colegas repórteres que estão na correria das redações e aos leitores que não são jornalistas. Usei no título do post a expressão “primeira página” como sinônimo de manchete. Tomei a liberdade por ser um velho repórter que começou na profissão na época das barulhentas máquinas de escrever. Quando entrei na redação, em 1979, ainda existiam colegas por lá que gritavam: “A primeira página é minha”. Há um filme chamado justamente Primeira Página, de 1974, em que o ator Jack Lemmon interpreta o repórter Hildy Johnson em uma redação de jornal nos anos 1920. É uma comédia muito fiel às loucuras que acontecem nas redações sempre que se “vira o jornal”, ou seja, quando a notícia inicialmente prevista como manchete é ofuscada por um novo acontecimento inesperado e mais relevante que acaba ocupando o lugar na primeira página. Voltando a nossa conversa.
A confirmação da morte da rainha aconteceu no final da tarde, às 18h30min, horário de Brasília. Àquelas alturas já era o principal assunto nos noticiários e a confirmação fez aumentar ainda mais os espaços da notícia em todas as plataformas de comunicação ao redor do mundo. No Brasil, ao natural, começou a desaparecer das manchetes a mistura dos festejos do Bicentenário da Independência com a campanha de Bolsonaro. Aqui lembro os meus colegas o seguinte. Para os estrategistas da campanha à reeleição era fundamental que o assunto continuasse nas primeiras páginas pelos dias seguintes. Porque é assim que o assunto é fixado na memória dos eleitores. No caso, o maior interesse deles era mostrar o mar de gente que foi reunido. Os objetivos eram três: o primeiro, questionar as pesquisas eleitorais que colocam Lula na frente de Bolsonaro. O segundo, mostrar aos eleitores que, ao contrário do que a imprensa vem afrimando, a candidatura à reeleição não está em decadência. E, por último, entusiasmar a militância a se empenhar com mais vigor na campanha. Alerto os colegas e leitores que não estou especulando o grau da diminuição do impacto dos festejos do Bicentenário da Independência decorrente da tomada das manchetes da morte da rainha. O que estou dizendo é que o assunto ocupou e vai ficar ainda por um bom tempo nos noticiários.
Estando ou não na primeira página dos noticiários, o fato é que a mistura da campanha à reeleição do presidente com os festejos do Bicentenário da Independência vai produzir algum tipo de impacto nas eleições. Raras vezes se tinha visto tantas pessoas reunidas. A dimensão desse impacto, é opinião dos especialistas em estratégia eleitoral, vai aparecer nas próximas pesquisas. Qual é a intensidade, não se sabe. Lembro que temos escrito, através dos anos, que a pesquisa é o “retrato do momento”. O que realmente vai acontecer só saberemos quando for publicado o resultado das eleições no dia 2 de outubro. Até lá muita coisa pode acontecer. Lembro aqui os meus colegas que uma das características do governo Bolsonaro é produzir fatos que acabam pautando a imprensa. E pelo que existe nas entrelinhas das matérias que temos publicado os estrategistas da reeleição logo vão aparecer com um fato novo que ocupará as manchetes. A campanha entra nos seus dias finais e todos os candidatos estão gastando os seus últimos cartuchos. Estão atirando à queima-roupa, como se diz nas redações. Faz parte do jogo. E seja lá qual for o resultado das eleições ele será cumprido como é previsto na Constituição. Tenho dito e escrito e vou repetir por considerar importante. Não acredito que em caso de derrota o presidente Bolsonaro vá chutar o pau da barraca. Se chutar, será preso. E por consequência ficará muito tempo na primeira página.
Há um fator importante além das pesquisas: a percepção das ruas. Quando há uma corrente fluindo em determinada direção eleitoral, é perceptível nas ruas. E isso é muito palpável hoje. Aqui no RS o Bolsonaro ganhou na última eleição. Mas o hoje é perceptível a hegemonia lulista nas ruas…Vai se confirmar? Não se sabe, mas uma coisa é certa. Quem ganha eleição a gente não sabe….mas quem perde dá pra antecipar com segurança: é SEMPRE o mais rejeitado….
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