
Vou contar uma história e usá-la para puxar a nossa conversa. Na segunda semana de junho, quarta-feira (11), aconteceu um incidente durante o depoimento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, 62 anos, em uma audiência conjunta na Câmara dos Deputados das comissões de Finanças e Tributação e de Fiscalização Financeira e Controle. Haddad estava explicando as estratégias para manter as contas do governo federal em dia. Os deputados Nikolas Ferreira (PL-MG), 28 anos, e seu colega Carlos Jordy (PL-RJ), 43 anos, fizeram perguntas agressivas para o ministro. E não esperaram as respostas. Antes que Haddad começasse a falar, saíram da audiência. Na sua resposta, o ministro chamou de “molecagem” o ato dos parlamentares. A estratégia que os deputados usaram é muito comum nos dias atuais. Fazer as perguntas e ir postar nas redes sociais. Informados da fala de Haddad, os dois voltaram para a reunião e começaram um bate-boca acalorado com o ministro que se transformou em uma gritaria da oposição. O presidente da Comissão de Finanças, Rogério Correia (PT-MG), 67 anos, encerrou a audiência e acusou a oposição de “criar cenas para as redes sociais”. Há um farto material na internet sobre este fato.
Como chegamos a esta situação? Vamos conversar sobre isso. Independentemente do partido político ou da orientação ideológica, mudou o perfil do berço onde nasceu a maioria dos 54 senadores e 513 deputados federais que serão eleitos em 2026. Até 2000, a maioria dos eleitos era nascida nos sindicatos de trabalhadores, nas organizações patronais, entre profissionais liberais de sucesso e outros. Inclusive de um golpe de sorte, como foi o caso do cardiologista Enéas Ferreira Carneiro (1938–2007), que foi candidato a presidente da República em três ocasiões (1989, 1994 e 1998). Na sua primeira campanha, quando ainda era um ilustre desconhecido, ele saiu do anonimato ao encerrar os 15 segundos a que tinha direito na propaganda de TV com um bordão que se tornou muito popular: “Meu nome é Éneas”. Em 2002, se elegeu deputado federal por São Paulo com a segunda maior votação do país, 1,57 milhão de votos válidos. A partir de 2004 o jogo mudou com a chegada das redes sociais como Orkut e Facebook, dos smartphones e das conexões 3G, que se somaram à profissionalização dos operadores de marketing político. A soma de tudo isso eu chamo de um “pacote tecnológico” que começou a atuar na disputa política brasileira. Deu uma sobrevida aos políticos que nasceram nos berços tradicionais e abriu caminho para uma nova geração. Este “pacote tecnológico” é o novo berço onde nascem os candidatos a cargos políticos hoje no Brasil. Até pouco tempo, o discurso usado pelos candidatos era muito semelhante. Isso acabou em 2016, quando o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (republicano), 79 anos, foi eleito para o seu primeiro mandato na Casa Branca. O seu então assessor de campanha Steve Bannon, 72 anos, mexeu no conteúdo do discurso político, ressuscitando a retórica da extrema direita usada pelos nazistas na Alemanha nos anos 30, que levou o ditador Adolf Hitler a ascender ao poder. Lembro que Trump chutava as canelas dos repórteres envolvidos na cobertura da sua campanha. Seguindo a trilha aberta por Trump, em 2018 se elegeu presidente do Brasil Jair Bolsonaro (PL), 70 anos.
Em 2022, Bolsonaro concorreu à reeleição contra o atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 79 anos. Perdeu por detalhe, uma diferença de 2 milhões e uns quebrados de votos válidos. Mas o seu prestígio político elegeu um significativo número de parlamentares (federais e estaduais) e governadores. A campanha de 2026 já está nas ruas. Começou no minuto seguinte ao fechamento das urnas do segundo turno das eleições municipais de 2024. E o discurso que a oposição colocou na rua é o da extrema direita, com uma novidade: misturando trechos verdadeiros de fatos com mentiras. É uma mistura extremamente eficiente. A situação, que é composta pelo PT e os partidos que apoiam o governo do presidente Lula, ainda está à procura de um discurso para a disputa política. A centro-direita brasileira foi engolfada pelo bolsonarismo. Só restou o discurso da necessidade de um candidato que quebre a polarização entre os bolsonaristas e a situação. Aqui tem um detalhe importante que quero mencionar. Bolsonaro foi declarado inelegível até 2030 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Deverá indicar o seu substituto, é o acordo que fez com o presidente do seu partido, Valdemar da Costa Neto, 75 anos. Na terça-feira (9), o ex-presidente foi interrogado na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) pelo ministro Alexandre de Moraes, 56 anos. Ele e outras 33 pessoas, incluindo ex-ministros e ex-funcionários do primeiro escalão do seu governo, estão respondendo por cinco crimes cometidos em 2022 e 2023, entre os quais a formação de uma organização criminosa que tentou dar um golpe de estado. Bolsonaro reclamou que o deputado Nikolas Ferreira, que foi um dos eleitos graças ao prestígio do ex-presidente e hoje é uma personalidade nas redes sociais, não se manifestou durante o seu depoimento ao ministro Moraes. E lembrou que, no entanto, o deputado se manifestou em apoio ao influenciador digital Pablo Marçal (PRTB), 38 anos, quando este foi declarado inelegível por oito anos pelo TSE. Marçal foi punido por ter mentido durante o primeiro turno das eleições municipais da cidade de São Paulo, em 2024 – matérias na internet.
Não é a primeira vez que Bolsonaro reclama da falta de atenção do deputado mineiro. Tantos os estrategistas políticos do ex-presidente como os de Lula sabem que é real a possibilidade do surgimento, durante a campanha, de um candidato influenciador digital. Marçal surgiu na campanha municipal de São Paulo, disputou o apoio de Bolsonaro com o prefeito Ricardo Nunes (MDB), 57 anos, e mesmo sendo preterido, por detalhe não foi para o segundo turno. Nikolas não tem idade para ser candidato a presidente, a Constituição determina que é necessário ter 35 anos. Mas tem prestígio nas redes sociais para indicar um candidato. O discurso de extrema direita dos influenciadores é bem mais radical que o de Trump e Bolsonaro. Tenho acompanhado todos os principais noticiários e jornais em busca de informações de bastidores da disputa de 2026. O volume de informações é escasso. Como se dizia nos tempos das máquinas de escrever nas redações, está faltando os repórteres começarem a gastar sola de sapato em busca de informações sobre o que acontece entre as quatro paredes da corrida presidencial. Comecei como repórter em 1979. Na época, uma notícia levava um dia para circular o mundo. Hoje é só apertar um botão no smarphone. Há uma carência de informações relevantes sobre os bastidores da campanha de 2026. Não é por outro motivo que há tantas notícias mentirosas rolando por aí.