O presidente do Brasil, Michel Temer (PMDB – SP), deu uma aula de como sobreviver em um ambiente hostil na posse de Raquel Dodge, 56 anos, como procuradora-geral da República. O primeiro discurso foi dela e, no final, recebeu uma prolongada e intensa salva de palmas. O seguinte a falar foi Temer, que, no final, pediu que fossem repetidas as palmas para a nova procuradora-geral. Com esse gesto, Temer evitou constranger a plateia de procuradores de aplaudi-lo. E também abortou qualquer manifestação silenciosa na plateia que tivesse sido preparada contra ele. E que se tornaria assunto principal em todos os noticiários e nas redes sociais. A plateia atendeu ao pedido de Temer e aplaudiu, mais uma vez, Raquel Dodge, com menos entusiasmo do que na primeira vez. Mas aplaudiu.
Usando o jargão dos jornalistas que comentam política, Temer fez mostras de que ele é uma “raposa velha” na arte da política. Vejam o cenário. Rodrigo Janot, que foi substituído por Raquel Dodge, fez duas denúncias contra Temer por corrupção. Da primeira, o presidente conseguiu safar-se, manobrando os parlamentares que impediram que o processo prosseguisse no Supremo Tribunal Federal (STF). Se os deputados federais tivessem autorizado o processo, ele seria afastado do cargo por 180 dias. A segunda denúncia, feita na semana passada, ainda está tramitando. Nos últimos meses, a troca de desaforos nas entrelinhas dos pronunciamentos, entre o grupo político de Temer e Janot, foi intensa. Aliás, o grupo político foi descrito por ex-procurador-geral, na sua última denúncia, como “quadrilhão” do PMDB.
Mais ainda. Temer não falou de improviso por obra do acaso. Ele falou de improviso porque uma das características do grupo político dele é agir na conjuntura que é gerada na hora pelo acontecimento em andamento, no caso a fala presidencial. Atento, ele viu no intenso aplauso recebido pela nova procuradora-geral um aviso que de alguma coisa iria acontecer. Por exemplo, se ele recebesse apenas meia dúzia de aplausos, o fato seria explorado pelos noticiários e redes sociais como “protesto silencioso”. Aqui, eu gostaria de refletir com os meus colegas repórteres, especialmente os novatos, a respeito da arte da política, que não é aprendida nas faculdades. Mas no cotidiano das disputas com os adversários. O grupo político de Temer é um dos mais competentes existentes no Brasil. Tem no seu currículo a vitoriosa conspiração que resultou no impeachment da presidente da República Dilma Rousseff (PT – RS), que foi substituída pelo seu vice, Temer.
E também está no currículo do grupo político uma jogada que conseguiu constranger a nova procuradora-geral, bem antes de ela tomar posse. Em agosto, Raquel Dodge foi à noite, fora da agenda, a uma reunião com o presidente no Palácio Jaburu. Na ocasião, ele respondeu perante a opinião pública o fato de ter recebido à noite, e fora de agenda, no Jaburu, o empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS e delator da Operação Lava Jato – a história toda pode ser encontrada na internet. Claro que o encontro teve uma imensa repercussão nos noticiários e nas redes sociais. Para Temer, serviu para mostrar que era uma rotina de trabalho receber à noite, no Jaburu, pessoas para encontros fora da agenda. Portanto, as condições em que aconteceu o encontro com o empresário não foram uma exceção.
Aqui, eu gostaria de compartilhar com os meus colegas uma lembrança que sempre faço nas minhas palestras. Todos são amigos do repórter até que se transformem em uma boa história. Assim que Raquel Dodge sentou-se na cadeira de procuradora-geral da República, ela não tem mais amigos. A conjuntura política atual do Brasil não permite que o nó dado no pescoço do grupo político do Temer por Janot seja afrouxado. A cabeça deles é a passagem para a história da nova procuradora-geral.
“O grupo político de Temer é um dos mais competentes existentes no Brasil”. Entendi o contexto, mas entendo que a frase devia ser complementada, como … na arte de ludibriar… blindagem do presidente… defesa dos próprios interesses… na dissimulação… na articulação maquiavélica… na mobilização da compra de votos… porque este grupo é o que está no governo, é o governo, e dito assim “competente” sem identificação da competência e para quais os fins, pode passar a impressão de aprovacao deste governo, quando sabemos que a grande parte de seus membros são investigados e denunciados por corrupção. Então, a “competência do grupo” se estende também à capacidade de corromper, ser corrompido e se beneficiar da corrupção quase sem ser molestado, fiscalizado, impune, e estar livre para continuar corrompendo, porquê também nisso há uma certa competência, a quase certeza da impunidade. Desculpe me intrometer. Grato pelo espaço.