Lembro que nos minutos seguintes ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tomar posse, em 2019, o seu ministro da Economia, Paulo Guedes, começou a falar que os brasileiros precisavam se acostumar com a cotação do dólar acima de R$ 5 – na época estava em R$ 3,65. O assunto passou batido pelas redações, que tinham o seu foco maior nos primeiros passos do novo presidente e sua equipe. Ao transferir a faixa presidencial a Bolsonaro, o então presidente Michel Temer (MDB-SP) passou um problema que na época tinha tudo para crescer, caso a cotação do dólar subisse como pregava Guedes: o alinhamento aos preços internacionais dos combustíveis da Petrobras. A história do alinhamento vem de longe. Mas foi concretizado a partir de 2016, com o então presidente da empresa, Pedro Parente. Essa concretização foi feita a sangue-frio. Por quê? Durante décadas, os preços da gasolina, do óleo diesel e do gás de cozinha recebiam uma espécie de subsídio não declarado da Petrobras. Ou seja: existia toda uma economia baseada nesse subsídio disfarçado – há matérias sobre o assunto na internet. A implantação da política de alinhamento dos preços ao mercado internacional de petróleo aconteceu sem uma transição organizada. E a população só se deu conta quando os preços começaram a oscilar semanalmente nas bombas dos postos de combustíveis e de venda de gás. Deu rolo, é claro. Em maio de 2018, os caminhoneiros declararam uma greve que durou 10 dias e colocou o Brasil de joelhos, provocando um prejuízo de R$ 50 bilhões. Bolsonaro apoiou a greve e seus cabos eleitorais foram bem ativos na consolidação do movimento. Parente se demitiu. Mas o alinhamento dos preços prosseguiu.
Agora a bronca do preço dos combustíveis está no colo de Bolsonaro e compromete o seu projeto de reeleição em 2022. Claro, Guedes não decretou a desvalorização do real perante o dólar americano. Mas também não foi eficiente para evitá-la. Essa desvalorização foi aplaudida pelos exportadores brasileiros, que dominam um setor importante da economia, entre eles o agronegócio, que vende grãos e carnes para vários países. Em 2020, se instalou no mundo a pandemia da Covid-19. Bolsonaro perfilou-se ao lado dos negacionistas do poder de contágio e letalidade do vírus, provocando um tumulto que resultou no ingresso do Brasil entre os países com o maior número de mortos, que hoje somam quase 600 mil. Acrescente-se a tudo isso as lambanças provocadas pelo presidente tentando dar um golpe de Estado e mais a política de meio ambiente, que está resultando na morte de índios e na destruição da Floresta Amazônica. A soma de tudo isso é a desvalorização do real perante o dólar americano – hoje (07/10) a R$ 5,52. O que resulta no preço da gasolina a R$ 7, do diesel a R$ 4,60 e do gás de cozinha, a R$ 110. Nem nos seus maiores delírios o ministro Guedes imaginaria uma desvalorização desse quilate do real perante o dólar americano. E a cereja do bolo: um consórcio internacional de jornalistas investigativos descobriu que, em 2014, Guedes era sócio da Bozano Investimentos e abriu a Dreadnoughts International, uma offshore em um paraíso fiscal britânico, em que depositou 9,95 milhões de dólares. A cada desvalorização do real perante o dólar, o patrimônio dele é valorizado. Ele foi intimado a explicar a história na Câmara dos Deputados e convidado a ir ao Senado.
Independentemente do que resultará a explicação de Guedes aos parlamentares o rolo está feito. O alinhamento dos preços dos combustíveis com o mercado internacional por parte da Petrobras virou um “nó cego”, velho dito popular das redações da época da máquina de escrever para dizer que algo não tem solução. Simplesmente porque os mercados internacionais funcionam com o dólar e os ganhos dos brasileiros são em reais. Há mais um problema. Os exportadores brasileiros que vibraram com a desvalorização do real, em particular o agronegócio, estão em uma grande encrenca porque os seus custos de produção subiram para as nuvens. A tentativa de Bolsonaro e do seu aliado e presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lira (PP-AL), de atirar a bronca no colo dos governadores é como tentar apagar incêndio com gasolina. Antes de seguir contando a história. Estou sendo didático na conversa por ter recebido um pedido de jovens repórteres que trabalham em sites e rádios no interior do Brasil para ajudá-los a alinhavar uma explicação sobre o atual preço dos combustíveis. Voltando a contar a história. A subida dos preços dos combustíveis, dos alimentos, principalmente a carne e derivados de soja, e de vários serviços tem a ver com a desvalorização do real perante o dólar. O resto da explicação é o resto. Como é essa história vai terminar?
Quem falar que sabe está chutando, porque as figuras principais do rolo são o presidente Bolsonaro e os seus ministros, que armaram uma lambança tão grande que estão sendo consumidos por ela. Na questão dos combustíveis há um fato que precisamos lembrar ao nosso leitor. O Brasil é autossuficiente em petróleo e na produção de álcool, que é misturado à gasolina. Por muitos anos escrevemos que era necessário o país investir na pesquisa e descoberta de mais poços de petróleo para conseguir sair das garras dos grandes produtores que impõem os seus preços aos mercados. A autossuficiência foi conseguida. Então é de se perguntar. Por que continuamos importando e pagando caro pelo combustível? Temos dado essa explicação para o leitor lá no meio da matéria. Alerto aos colegas que chegou a hora de aprofundarmos essa explicação, porque o rolo é muito grande. E o simples fato da inflação estar mostrando as suas garras já é suficiente para apavorar velhos repórteres como eu, que viveram na era da hiperinflação, uma loucura que não poder voltar.