A execução a tiros do candidato à presidência da República do Equador Fernando Villavicencio no último dia 9 de agosto e o assassinato, cinco dias depois, de Pedro Briones, líder político do movimento criado pelo ex-presidente equatoriano Rafael Correa (2007 a 2017), são acontecimentos que merecem ser melhor esmiuçados pela imprensa brasileira. Vamos aos fatos. Os responsáveis pelas mortes são os cartéis de produção e varejo de cocaína da Colômbia, do Peru e da Bolívia que abastecem os mercados consumidores dos Estados Unidos e da Europa. Na última década, essas organizações estão investindo pesado em duas novas rotas para levar a cocaína aos seus consumidores. Porque as velhas já são por demais conhecidas e, graças às novas tecnologias de vigilância, as apreensões da droga pelas polícias têm aumentado – há matérias na internet. O Equador é uma dessas novas rotas. Atualmente, pelos portos equatorianos, estão saindo do país anualmente entre 30 a 40 toneladas de cocaína. A outra rota é o Brasil, onde esses traficantes internacionais estão fazendo alianças com facções criminosas nacionais, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro. O PCC e o CV, por sua vez, fazem parcerias com grupos criminosos dos estados do Norte do Brasil, em especial do Amazonas.
Os acontecimentos no Equador mostram que essas organizações criminosas estão em um estágio de consolidação na região bem mais adiantado do que as autoridades imaginavam. A tal ponto de estarem colocando contra a parede um país inteiro. Trocando em miúdos. Não se trata da invasão do Equador pelo exército de outro país. Trata-se de grupos criminosos – há matérias na internet. No Brasil, por ser um país continental, a conversa é diferente. O que sabemos ao certo é que houve um significativo avanço dessas organizações nos estados do Norte. Vejamos o seguinte. Nos últimos quatro anos o PCC se aliou aos financiadores dos garimpos clandestinos nas terras indígenas, em especial na reserva da tribo yanomami, que ocupa uma vasta área entre Roraima e a Venezuela. Foi notícia mundial, com a divulgação vídeos dos índios transformados em pele e osso pela fome, a invasão das terras yanomami pelos garimpeiros. Outra notícia que ganhou alcance global foi o assassinato, em julho de 2022, do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira, no Vale do Javari, extremo oeste do Amazonas, a mando do traficante Rubens Villar, conhecido como Colômbia – a história toda está na internet. Essa aliança entre o PCC e os financiadores dos garimpos deu à organização acesso a vários parlamentares da região, que são eleitos com o dinheiro dos garimpeiros e madeireiros ilegais. No próximo ano, haverá eleições municipais. Pelas minhas andanças nas regiões de garimpo, o apoio dos prefeitos e vereadores é fundamental para a montagem da infraestrutura de suporte aos garimpeiros. Portanto, é certo que o já tradicional fluxo de dinheiro dos financiadores dos garimpos ilegais será reforçado com o dinheiro das organizações criminosas. As autoridades federais têm sido alertadas sobre isso pelas lideranças indígenas, ecologistas e de movimentos populares que atuam na região.
Essa pressão dos indígenas e dos seus apoiadores tem resultado em ações pontuais que vêm dificultado o avanço das organizações criminosas, entre elas o fechamento e a destruição dos garimpos ilegais nas terras indígenas e o rastreamento e destruição do sistema montado para lavar o dinheiro obtido com a venda ilegal de minérios e madeiras extraídos da Floresta Amazônica. Falta um estudo minucioso a respeito do estágio atual do trabalho que as organizações criminosas estão fazendo para consolidar o Brasil como rota da cocaína para os grandes mercados consumidores. Informações necessárias para realizar esse trabalho existem, podem ser conseguidas nos inquéritos da Polícia Federal, no serviço de inteligência das unidades das Forças Armadas estabelecidas na Floresta Amazônica e nos arquivos das polícias locais. Aqui uma constatação. Os policiais locais sabem quem é quem nessa história porque convivem diariamente com o problema. Tenho como estratégia obter informações sempre que chego a cidades perdidas na imensidão do Brasil tendo uma boa conversa com os policiais que vivem o dia a dia da comunidade. Lembro-me que nas décadas de 80 e 90, quando os jornais tinham dinheiro e muita gente nas redações, sempre havia um repórter que sabia das coisas nas fronteiras brasileiras e na selva amazônica. Essa figura desapareceu das redações. Isso tem dificultado o nosso trabalho. Falei sobre o assunto em 18 de julho no post Facções criminosas, os vizinhos perigosos do agronegócio no Nortão do Mato Grosso.
Lembro que, nos anos 80, sempre que uma organização criminosa era desmantelada pela polícia, a sua estrutura de comando revelava-se bastante precária. Na época, se a polícia prendesse o chefe, acabava a quadrilha. Nos anos 90, fiz matérias mostrando que os criminosos já se organizavam como se fossem uma empresa. Nos dias atuais, essas organizações têm uma estrutura administrativa (controles de fluxo de dinheiro), logística, advogados e um braço político. Se o chefe for preso, a máquina continua funcionando. Sou defensor da ideia de que devemos informar melhor os nossos leitores sobre o profissionalismo desses grupos criminosos. Na primeira década de 2000, fiz uma reportagem com os funcionários de um escritório que ficaram surpresos ao descobrir que trabalhavam para uma bem estruturada quadrilha de agiotas que lavava o dinheiro do tráfico de drogas. Não são todos os dias que se vê organizações criminosas colocarem o presidente, os parlamentares e os sistemas judiciário e policial de um país contra a parede, como é o caso do Equador. Por isso digo que o que está acontecendo por lá merece ser melhor esmiuçado.