O caminho percorrido por Bolsonaro e seu círculo pessoal até o banco dos réus

Não tem como não ficar atento aos interrogatórios no STF Foto: Reprodução

Durante a semana, não tem como não ficar com os olhos e ouvidos atentos aos acontecimentos na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Lá estarão sendo interrogados o ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL), 70 anos, e ex-ministros e outros ex-funcionários de alto escalão do seu governo acusados de formarem uma organização criminosa, em 2022, para tentar dar um golpe de estado. No total, estão respondendo a processos na Primeira Turma Bolsonaro e outras 33 pessoas (27 militares reformados, da reserva e da ativa), que foram divididos em quatro núcleos. Na tarde de segunda-feira, o ministro Alexandre de Moraes, 56 anos, iniciou os interrogatórios do ex-presidente e mais sete pessoas do “núcleo crucial”, como foi chamado o grupo que reuniu os principais articuladores da trama golpista. Os oito serão ouvidos em ordem alfabética. Bolsonaro será o sexto a depor. O primeiro interrogado não obedeceu à ordem alfabética por ser o delator do processo, o tenente-coronel Mauro Cid, 47 anos, ajudante de ordens do ex-presidente. Os interrogatórios estão sendo transmitidos ao vivo pela TV do STF e a previsão é de terminarem na sexta-feira (13).

Por existir um volume enorme de informações sobre os bastidores dos interrogatórios e o fato de estarem sendo transmitidos ao vivo, eu não vou ficar “chovendo no molhado” ou “enchendo linguiça”, como se diz no interior gaúcho, e repetir para o leitor as mesmas informações. Decidi que seria mais produtivo falarmos sobre a democracia americana e a brasileira. Liguei para colegas repórteres (os que conheci fazendo matérias investigativas pelas estradas do sertão do Brasil), fontes que tenho no STF e na Procuradoria-Geral da República (PGR) e algumas “velhas raposas políticas”, como chamo os políticos astutos e experientes. A todos, fiz a seguinte pergunta. O fato dos golpistas no Brasil terem sido descobertos, processados e estarem sendo julgados desencorajará a ação de futuros ataques à democracia? Resumindo em uma única palavra o que ouvi de todos eles: “não”. Perguntei o motivo do não. Fui lembrado que até 6 de janeiro de 2021 não passava pela cabeça de ninguém o que aconteceu no Capitólio, como é chamado o prédio do Congresso americano. Na ocasião, o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (republicano), 78 anos, que havia concorrido à reeleição e perdido para o democrata Joe Biden, 83 anos, incentivou seus apoiadores a impedir a realização da sessão do Congresso que ratificaria a vitória de Biden nas urnas. Partidários de Trump invadiram o Capitólio, praticaram saques e atos de vandalismo, agrediram policiais e jornalistas e obrigaram os congressistas a deixar o prédio às presas. Cinco pessoas morreram, dezenas ficaram feridas e mais de mil foram presas, julgadas e condenadas pelo ataque. Em 2024, Trump se elegeu para um segundo mandato. Em 20 de janeiro de 2025, tomou posse e o seu primeiro ato foi conceder perdão e livrar da cadeia os invasores do Capitólio. Além de ter estabelecido nos Estados Unidos a perseguição àqueles que pensam diferente da extrema direita.

Um procurador da República, que se aposentou e virou cientista social, fez a seguinte observação: “Quando se imaginaria que em uma democracia de mais de 200 anos, como a americana, aconteceriam os absurdos que temos presenciado?” Lembrei a ele do macarthismo (1950 a 1957), um movimento que se aproveitou da paranoia entre os americanos causada pela Guerra Fria (1947 a 1991), conflito ideológico entre os Estados Unidos, capitalista, e a extinta União Soviética (URSS), comunista. Na época, o senador Joseph McCarthy (1908–1957) perseguiu roteiristas de Hollywood, parlamentares, jornalistas, intelectuais e empresários, acusando-os de serem comunistas ou simpatizantes do comunismo. Há filmes e um abundante material disponível sobre o assunto na internet. O cientista social argumentou que o macarthismo “caiu de podre” e que, na década seguinte, os anos 60, surgiram personagens importantes nos Estados Unidos, como o pastor Martin Luther King Jr. (1919–1968). Ele foi fundamental para a aprovação da Lei dos Direitos Civis, em 1964, e a Lei de Direito de Voto, em 1965. A respeito da democracia americana, no atual momento Trump está espichando a corda. É um período de incerteza para os americanos. No Brasil, um colega repórter lembrou que o interrogatório dos envolvidos na tentativa de golpe na Primeira Turma do STF é um sinal de que, apesar de jovem, a democracia brasileira teve musculatura suficiente para enfrentar os ataques. Observou o colega que é fundamental a atenção da imprensa na disputa política. Sempre que tenho oportunidade lembro que em 2018, quando Bolsonaro foi eleito para o seu mandato (2019 a 2022), eu me perfilava entre os jornalistas que não acreditavam que as ameaças feitas pelo ex-presidente contra a democracia fossem sérias. Classificava tudo como bravatas. Argumentava que, durante 30 anos, ele tinha sido deputado federal pelo Rio de Janeiro instalado no chamado “baixo clero” da Câmara, como são chamados os parlamentares que têm uma atuação discreta. Sempre que ele queria ser lembrado pela imprensa se aproximava dos repórteres e dizia alguns absurdos, como defender os torturadores dos presos políticos pela ditadura militar (1964 a 1985), e acabava conseguindo uma matéria no jornal. Com o salário e os benefícios que recebia no parlamento, o ex-presidente e a sua família tinham uma vida tranquila. Por que iria arriscar tudo se envolvendo em uma tentativa de golpe de estado?

Eu estava errado. As bravatas de Bolsonaro começaram a virar o roteiro para um golpe de estado, como ficou demonstrado nas 884 páginas do relatório da Polícia Federal (PF) que investigou a formação da organização criminosa. Em sua defesa, o ex-presidente tem batido na tecla de que não houve golpe. Há dezenas de provas dizendo o contrário. Falei sobre o assunto em 28 de março no post A tecnologia ajudou a tornar Bolsonaro réu no caso da tentativa de golpe. O ministro Moraes usou as imagens dos ataques feitos pelos bolsonaristas em 8 de janeiro de 2023 ao Congresso, ao Palácio do Planalto e ao STF para ilustrar a tentativa do golpe. São imagens fortes e que não deixam dúvidas sobre o que estava acontecendo. Concluindo a nossa conversa. Nem uma democracia consolidada e antiga como a dos Estados Unidos, nem uma jovem e musculosa como a brasileira, estão livres de ataques como os de 6 de janeiro de 2021, em Washington (DC), e os de 8 de janeiro de 2023, em Brasília (DF).

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