Sempre que encontro dificuldade para interligar os fatos que estão diante de mim costumo bater um papo com os colegas repórteres que fazem a cobertura dos assuntos policiais. Eles são muito objetivos e convincentes nos seus argumentos. Conversei com dois deles na segunda-feira (21/03), logo que começou a ganhar corpo na imprensa a notícia de que o presidente Jair Bolsonaro (PL) estava espalhado pistas de que escolheria o general da reserva e seu ministro da Defesa Walter Braga Netto, 65 anos, para ser o seu vice na chapa que concorrerá à reeleição. Publicamente, Ciro Nogueira, 65 anos, senador (PP-PI) e ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, vem defendendo que o vice seja um parlamentar. Ele é um dos mais conceituados líderes do Centrão, um grupo de parlamentares de vários partidos que se reúnem para apoiar governos encurralados pela oposição em troca de favores econômicos e políticos. Bolsonaro fez um acordo com o Centrão dando cargos no governo e dinheiro para emendas parlamentares para ter uma base no Congresso e evitar que algum dos 126 pedidos de impeachment contra ele trâmite na Câmara dos Deputados. O ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, 51 anos (PSDB-RJ), comentou que o ministro Ciro é uma garantia de que os pedidos de impeachment do presidente da República ficarão na gaveta.
Descrevi até aqui o rolo, um jargão de redação para se referir a um fato. Independentemente de no futuro Braga Netto vier a ser ou não o candidato a vice, o fato é que a maneira como o assunto veio a público foi desrespeitosa para com o ministro Ciro, me chamou a atenção um dos meus colegas que há três décadas faz reportagens policiais. Acrescentando: “Não se desrespeita uma liderança em público, essa é uma regra básica para sobreviver ao dia seguinte do desaforo”. Daqui para frente na nossa conversa vou enfileirar fatos que temos escrito a respeito da aliança de Bolsonaro com o Centrão e com os generais que aderiram e ocupam cargos no seu governo, como é o caso de Braga Netto. Em primeiro lugar, a aliança não é por ideologia. É por dinheiro. Os generais que estão no governo nunca ganharam tão bem como hoje por conta de um decreto do presidente que permite que somem a integridade do salário dos cargos que ocupam aos seus soldos militares (ativa, reservistas e reformados), furando, dessa forma, o teto salarial do funcionalismo público federal, ao redor de R$ 39 mil. Graças a esse decreto, os generais ganham mais de R$ 100 mil por mês. O Centrão administra o “orçamento secreto”, uma jogada contábil feita para colocar nas mãos desses parlamentares R$ 5,7 bilhões para usarem no pagamento de suas emendas sem a devida fiscalização dos órgãos de controle da União. O Centrão esteve em todos os governos desde que se instalou o processo de redemocratização do país, em 1985. Em nenhum desses governos os parlamentares do Centrão tiveram tanto dinheiro à sua disposição.
Temos escrito que Bolsonaro optaria por Braga Netto porque não quer um vice que possa derrubá-lo, como aconteceu com a ex-presidente Dilma Rousseff (PT-MG), que levou uma rasteira do seu vice, Michel Temer (MDB-SP). Aliado com o Centrão, Temer articulou uma ação de impeachment (2016) contra Dilma e assumiu o seu cargo – há matérias na internet. O presidente da República conhece bem a história, ele estava lá e fez parte da articulação de Temer. Mas aqui tem um detalhe sobre o qual precisamos conversar. A situação de Bolsonaro nas pesquisas de intenção de votos não é confortável. Hoje (23/03), ele está atrás, em mais de 15 pontos, do seu principal rival, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP). Pela lógica, ele teria mais chances na disputa contra Lula se optasse por um vice do Centrão, que é formado por parlamentares calejados e conhecem o “caminho da roça”. Braga Netto não é um puxador de votos. É um marinheiro de primeira viagem. Por que os parlamentares do Centrão trabalhariam pelo general? Em troca de cargos no futuro governo? Não precisam, porque quem se eleger vai precisar deles para ter uma base parlamentar. Logo, o lógico é apoiar quem tem mais chance de se eleger. Esse apoio pode acontecer de duas maneiras: trabalhar pedindo votos ou simplesmente abandonando Bolsonaro à própria sorte.
Há mais uma história circulando nos noticiários. Ela diz que os candidatos a presidente da República se deram conta de que precisam fazer uma bancada forte de deputados federais e senadores para diminuir a dependência do Centrão. Essa história não é nova. Ela tem se repetido com mais ênfase nas últimas eleições. Em 19 de outubro de 2021 fiz o post “Imprensa esqueceu que o presidente de 2023 vai repartir o poder com o Centrão?” Em nenhuma outra eleição presidencial teve tanta coisa em jogo como tem nessa. Além dos problemas nacionais, que são imensos, ainda existe a Guerra da Ucrânia, que ninguém sabe no que vai dar. E o que está acontecendo lá vem se refletindo no mundo inteiro – há matérias na internet. Em um ambiente como esse, o repórter que faz cobertura do dia a dia nas redações precisa ter o mínimo de segurança para decidir se o que o ouviu da sua fonte é relevante. A realidade nos mostra que o repórter que faz o noticiário do dia a dia tem muito mais influência na opinião pública do que os comentaristas políticos. E uma coisa o repórter do dia a dia pode ter certeza. Os generais e os parlamentares do Centrão estão nessa aliança com Bolsonaro por dinheiro. Não porque acreditam na fantasia do presidente da República em reinstalar o regime militar no Brasil. A democracia brasileira é jovem. Mas é forte. E um dos seus pilares é a liberdade de imprensa que é defendida a cada linha que escrevemos.