O desaparecimento da comerciante Sirlene de Freitas Moraes, 42 anos, e do seu filho Gabriel, sete anos, em junho de 2005, foi um crime perfeito? Não. Nos últimos dois anos, surgiram indícios de que pessoas bem próximas aos personagens envolvidos nesse episódio estariam dispostas a revelar informações preciosas sobre o que aconteceu naquele 11 de junho, véspera do Dia dos Namorados, quando ela e seu filho saíram de casa para se encontrar com o seu amante, um médico homeopata na Região Metropolitana de Porto Alegre. Na ocasião, o caso foi apurado pela 14ª Delegacia de Polícia Civil (14ª DP), e o médico foi indiciado e esteve preso preventivamente durante 58 dias. Foi libertado, e o caso, encerrado por falta de provas. Em 2005, trabalhei no caso durante várias semanas. E, no último mês de novembro, fiz um post chamado “É possível que alguém envolvido no desaparecimento de Sirlene e seu filho Gabriel, em 2005, esteja esperando ser descoberto para contar a sua história”.
Muitas das informações que recebi são novas, e algumas delas estão sendo investigadas. Para a minha surpresa, há policiais que trabalharam no caso que, nos dias atuais, estão atentos a fatos novos, mesmo os mais insignificantes, que aparecem referentes ao caso. Um dos agentes falou que existem no Departamento Médico-Legal (DML) amostras do DNA da Sirlene e do Gabriel. Essas amostras são comparadas com as de restos de cadáveres encontrados sem identificação. Todos os detalhes desse caso estão disponíveis na internet. Há uma pergunta que nós, repórteres, temos que responder. Qual é o interesse do nosso leitor em saber desse caso? Ele quer ter a certeza que o veículo que ele acompanha (site, TV a cabo ou noticiário de rádio) está fazendo o seu trabalho, que é não deixar as coisas serem esquecidas. Dentro das redações, onde trabalhei por mais de três décadas como repórter investigativo, existe a mania de só lembrar de casos como esse em datas de aniversário, de preferência com números redondos, tipo 10 anos e aí por diante. Isso mudou por conta da nova realidade de mercado enfrentada pelos grandes jornais, que sangram com a perda diária de assinantes e anunciantes. Dentro dessa nova realidade, mostrar aos nossos leitores que não temos memória curta é uma sinalização importante no sentido de que merecemos a sua confiança.
Não estou relatando aqui as novidades que soube sobre o caso por motivos muito simples. Até que sejam investigadas e comprovadas, são apenas “informes”. E sua divulgação pode, simplesmente, atirar o caso ao arquivo dos “crimes insolúveis”. Já vi isso acontecer e vou citar três episódios: os casos Daudt (em 1988, o deputado estadual e radicalista José Antônio Daudt foi morto tiros), e Kliemann (aconteceu em 1962 e 63 e está descrito no livro “O Caso Kliemann – A história de uma tragédia, do jornalista Celito de Grandi.) e o do roubo dos olhos do agricultor Olívio Correa (em 1995, ele pegou uma carona quando retornava para casa, no interior de Estância Velha, e acordou no mato, à beira da estrada, sem os olhos). Recomendo para os jovens repórteres um mergulho nesses três casos e uma conversa com os jornalistas que trabalhavam nas redações na época. Há muitas lições sobre jornalismo nos três casos. Uma delas é muito importante: o estrago que a divulgação de uma informação não confirmada pode fazer. O caso da Sirlene e do seu filho Gabriel não foi contaminado pela divulgação de boatos na imprensa. Um dos motivos é que, poucos dias depois, o principal suspeito já estava preso. Portanto, a maioria das informações que estão circulando tem fundamento. O que facilita o trabalho do repórter.
Interessante, eu era repórter da rádio Band AM 640 nesta época. E me lembro que um familiar da Sirlene (acho que era irmão) me ligou para auxiliar na matéria. Ele me passou muitas suspeitas sobre o médico, mas não consegui confirmar. Depois que o médico suspeito foi preso, passei para outras pautas e não voltei mais ao caso por não encontrar mais fontes da família.
Wilson Rosa, jornalista
Se te interessar, eu tenho os contatos. Me liga (51.999.69.07.46) e te passo. Como vai o amigo?
Grande Wagner!
Sua referência ao esquecimento me lembrou do aniversário de 30 anos do “acidente” com o Césio-137 em Goiânia, no ano passado. Uma data de aniversário, como você diz, mas eu tinha uma certa expectativa sobre a cobertura que não se concretizou. Me incomodou a pouca repercussão – na verdade, a pouca reflexão – que a data mereceu.
Eu era adolescente na época da contaminação, e jamais vou esquecer daquilo. Não se falava em outra coisa no Brasil. Um caso emblemático, em que a irresponsabilidade e a ignorância desaguaram numa tragédia com toques de surreal, um desastre tão imenso que é quase inacreditável que tenha acontecido. Lembra de alguma outra coisa? Pra mim, várias. A principal delas é o incêndio na Boate Kiss.
Na minha mente ingênua, o episódio do Césio não era algo para ser esquecido e sim dissecado, aniversário após aniversário, da mesma forma que você extirpa um trauma discutindo ele repetidamente. Vamos lembrar do que aconteceu para que não aconteça de novo. Mas daí, percebo uma coisa interessante: não houve esquecimento.
Se você digitar “Leide das Neves” na pesquisa do Google do último ano, vai ver uma série de matérias de dezenas de veículos feitas em setembro de 2017, relembrando a tragédia. Sim, os fatos estão lá. Mas a repercussão… Cadê? Onde estão as pensatas? As discussões filosóficas? O debate sobre o que aprendemos ou não? O caso está na Internet, mas por que não está “na boca do povo”?
Casos emblemáticos nos ensinam. Nos ajudam a definir quem fomos, somos e queremos nos tornar. Somos uma sociedade em que mulheres e crianças desaparecem, em que pessoas são assassinadas, em que a ignorância e a irresponsabilidade deixam inúmeras vítimas… E em que não há punição para isso? Nós naturalizamos o crime perfeito cada vez que evitamos a discussão.
Desculpa a demora em responder. Mas já tinha lido, e com atenção, o teu comentário. Tu tem toda a razão no teu comentário. Hoje as pessoas preferem falar e pensar bobagens.