Por mais frio e controlado que seja o repórter, ele não escapa da aceleração cardíaca quando se dá por conta que o seu celular desapareceu. Ainda mais se estiver dentro de um avião ou rodando pelas estradas, envolvido em uma reportagem. É um momento de pânico. Não pelo valor do aparelho. Mas pelo fato de que a maioria das informações que já foram apuradas para a reportagem está armazenada no celular. Nas últimas duas décadas, não foi uma nem duas, mas dezenas de vezes, passei pelo pânico do desaparecimento do celular. O último susto foi em janeiro de 2019. Eu estava viajando pelo Centro-Oeste, fazendo um livro de reportagens, e não encontrava o celular. Antes de dar meia- volta no carro, eu olhei em baixo do banco, e lá estava ele. A minha coleção de sustos é enorme nos meus 40 anos de profissão, 30 e poucos trabalhando em redação de jornal e viajando pelos sertões do Brasil e da América do Sul, contando histórias de conflitos agrários e do crime organizado nas fronteiras.
Antes de seguir contando a história. Há três maneiras de o celular desaparecer: furto (quando o ladrão leva e só vamos descobrir depois), perda (ele cai do bolso ou da bolsa e não notamos) e esquecimento (deixamos em casa ou em outro lugar, o que acontece com maior frequência). Claro, tem o roubo, quando um bandido chega com uma arma na mão, nos imobiliza e leva o celular e tudo que pode carregar. Continuando com a história. De tanto levar susto pelo desaparecimento do celular, nós vamos desenvolvendo a tecnologia que nos ajuda a evitar o problema. Não lembro com exatidão o ano. Mas creio que foi por 2006, um pouco menos ou um pouco mais, que cheguei em um restaurante de beira de estrada, em uma cidadezinha de Rondônia, e tive a minha atenção despertada para um monte de celulares carregando em uma mesa, com as chaves do carro presas no fio do carregador. Perguntei para o garçom o que era aquilo, ele respondeu: “eles penduram a chave do carro para não esquecer o celular. Porque, sem ela, eles não conseguem ligar o carro”. Tenho difundido essa prática para os colegas.
Outra maneira de não esquecer o celular aprendi com uma colega em um boteco, em São Paulo, em 2017, durante a realização do 12º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, promovido pela Abraji. Depois das palestras, à noite, a turma se reunia nos botecos das redondezas. Em um deles, depois de esvaziar um monte de garrafas de cerveja, e naquela hora que todos falam ao mesmo tempo, alguém pediu a conta e a dividiu pelo número de pessoas na mesa. Notei que uma colega carregava o cartão de crédito e o celular juntos em uma bolsinha. Curioso, perguntei se ela não tinha medo de perder o cartão na hora em que tirasse o celular da bolsa. Ela respondeu: “Não tenho medo de perder o cartão. Sempre que tiro o celular, tenho certeza que o cartão está ali. E, sempre que tiro o cartão, tenho certeza que o celular está ali.”
Diminuí drasticamente as vezes em que esqueci o celular, adotando duas práticas: carrego sempre no mesmo bolso e, antes de sair de casa, hotel ou de uma entrevista, corro os olhos ao redor para ver se esqueci de alguma coisa. Lembro o seguinte: no começo dos anos 1990, o repórter saía para apurar uma matéria levando um bloco de anotações, caneta, gravador, agenda eletrônica (nomes e telefones das fontes), um laptop e um repórter fotográfico. Hoje, leva apenas o celular, onde é possível gravar, anotar, fazer fotos, redigir texto e enviar material para a redação. No tempo em que o mais importante na vida do repórter era o bloco de anotações, o nosso maior medo era perdê-lo. Uma vez em Foz do Iguaçu (PR), eu estava apurando uma reportagem havia umas duas semanas. Uma noite, tive um pesadelo, em que todos os meus blocos de anotação haviam desaparecido. Acordei com o “coração da boca”. Hoje, com toda a tecnologia que temos para rastrear um celular desaparecido, mesmo assim o “coração vem para a boca” quando nos demos conta de que ele não está ali. Vidinha difícil a de repórter, né? Mas eu gosto.