Qualquer foca de jornal ou policial novato sabe que dezembro é o mês que os bandos armados intensificam os ataques a bancos, caixas eletrônicos e carros-fortes. Por ser a época do ano em que estão abarrotados de dinheiro, devido ao pagamento do 13ª salário pelas empresas aos seus trabalhadores. Esse foi o motivo que levou bandidos armados até os dentes a atacarem e roubarem bancos em Criciúma (1/12), no sul de Santa Catarina, em Cametá (2/12), no leste do Pará, e em Floraí, no oeste do Paraná. Roubaram milhões de reais, deixando um rastro de violência, um policial militar gravemente ferido em Criciúma e um refém morto em Cametá. Entraram nas cidades atirando, explodindo cofres e encurralando os policiais locais em suas delegacias e quartéis. Como fazia Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, Rei do Cangaço, no interior do Nordeste, até ser tocaiado, morto e degolado pela Volante, como era conhecida a polícia militar em 1938. Por essa razão, esses bandos que agem de maneira semelhante a Lampião ganharam o apelido de “Novo Cangaço”. Claro, as técnicas de “tocar terror” na população e na polícia foram aperfeiçoadas.
Antes de seguir contando a história cabe uma explicação para quem não é jornalista. Foca é como se chama na redação o repórter que recém saiu da faculdade. Não sei quem inventou. Mas quando entrei na profissão, em 1979, ele já existia. Voltando à história. O nome Novo Cangaço foi cunhado pela imprensa, é claro. Uma coisa tem que ficar clara. Os cangaceiros que povoaram o interior do Nordeste, como Lampião, eram bandidos cruéis que tiveram as suas histórias romanceadas por conta de uma série de fatores regionais. Hoje chamamos de Novo Cangaço a maneira do bando de agir. Não tem nada a ver com a formação das quadrilhas, que pode ser uma facção, tipo o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, ou os milicianos do Rio de Janeiro. Dada as explicações que considero importantes, principalmente para os jovens repórteres. Os Novos Cangaceiros surgiram no final dos anos 90 e se consolidaram nos anos 2000. Na época, lembro de ter feito reportagens sobre prefeitos de pequenas e médias cidades agrícolas do Sul do Brasil, que reclamavam de danos à economia local causados pelos ataques dos bandidos. Em 2017, eles começaram a entrar em decadência. Por quê? Um das explicações, a mais sólida, é que em 2014 aconteceu a Copa do Mundo no Brasil, e em 2016, as Olimpíadas no Rio de Janeiro. Nas duas ocasiões houve, como nunca tinha acontecido antes na história do país, a montagem de um sistema de segurança pública que incluiu uma troca de experiências e informações entre as polícias civis, militares, Federal e as Forças Armadas. Também aconteceu uma modernização nos equipamentos de vigilância eletrônica, nas redes de informática e nos veículos à disposição das forças policiais. O resultado disso tudo? Acabaram os eventos. Mas a troca de informações entre as autoridades policiais prosseguiu por um bom tempo. E os criminosos, como os do Novo Cangaço, que prosperavam devido à falta da troca de informações entre as autoridades, foram encurralados. Lembro que participei de uma reportagem numa cidade agrícola do interior gaúcho chamada Anta Gorda, a uns 190 quilômetros ao norte de Porto Alegre.
Aconteceu o seguinte. Um bando armado até os dentes havia apavorado a população. Logo que saíram da cidade encontraram um pelotão de brigadianos – como são chamados os policiais militares no Rio Grande do Sul – acantonados em um mato, à espera deles. Houve um intenso tiroteio e os bandidos foram presos. Entre o armamento deles foi um encontrado um fuzil que ainda continha a numeração – o restante das armas estava com a identificação raspada. O fuzil foi rastreado e descobriu-se que havia desaparecido da Polícia Militar de São Paulo. A velocidade com que um brigadiano obtinha as informações em uma barreira policial usando um simples celular facilitava o trabalho. Em 2016 e em pedaço de 2018, os Novos Cangaceiros diminuíram intensamente a sua atividade. A eleição do presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) parecia que seria o tiro de misericórdia no Novo Cangaço. Ele se elegeu prometendo “acabar com a bandidagem”. A prática política do Bolsonaro acabou criado um espaço para a volta dos Novos Cangaceiros, como se viu em Criciúma. O primeiro ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, ex-juiz federal da Operação Lava Jato, voltou a sua atenção quase que integralmente para o combate ao crime do colarinho branco. O resto, incluindo o tráfico de drogas e de armas e o combate às quadrilhas, ficou ao deus dará. Moro acabou brigando com Bolsonaro e saiu do governo em abril de 2020. O atual ministro, André Mendonça, é uma pessoa que ocupou o cargo para fazer o que o presidente mandar. Por conta desse alinhamento total com Bolsonaro, a Justiça se tornou mais uma peça na engrenagem da máquina montada no governo para espionar adversários políticos, jornalistas e outros inimigos da família Bolsonaro. Em março, o presidente assinou uma portaria acabando com o rastreamento e a identificação de armas e munição. Uma ferramenta fundamental na investigação policial.
Tudo isso criou uma oportunidade de negócios para o crime organizado. Pelo volume de ações, o Novo Cangaço renasceu com uma fome impressionante por dinheiro. Nós jornalistas precisamos ter bem claro o seguinte. As investigações sobre o crime organizado são sofisticadas, longas e perigosas. O investigador precisa ter uma retaguarda sólida para poder avançar no seu trabalho. Hoje, o serviço público federal está complicado. Há mais de 6 mil militares da ativa, reserva e reformados espalhados pelos ministérios. Cada vez que o presidente abre a boca cria uma confusão. Ou seja: a maneira de governar de Bolsonaro criou um berçário de oportunidades para as quadrilhas agirem. É por aí, colegas.