Há duas verdades na rotina policial: sem um corpo é difícil provar a culpa do suspeito e sempre que acontece alguma coisa com um dos membros de um casal o outro tem que provar a sua inocência. Essa é a primeira lição que o repórter envolvido com a cobertura policial aprende na convivência e nas conversas nas delegacias. Existem três casos na história recente da Polícia Civil do Rio Grande do Sul que se encaixam nessa situação.
O primeiro, e mais antigo, aconteceu em julho de 2005. A comerciante Sirlene de Freitas Moraes, 42 anos, e seu filho Gabriel, sete anos, saíram de casa para se encontrar com um médico com quem ela teve um relacionamento extraconjugal. Sirlene e a criança nunca mais foram vistos. Na ocasião, o médico ficou preso durante 50 dias e foi libertado por falta de provas. Trabalhei no caso. Conversei com todas as partes envolvidas, incluindo o delegado do caso, João Carlos Diogo, que mantém a crença de que o médico é o culpado. Em 2011, a menina Cintia Luana Ribeiro Moraes, 14 anos, grávida de sete meses, saiu para se encontrar com um jovem brasiguaio – como são chamados os agricultores brasileiros que migraram para o Paraguai – em uma das ruas de Três Passos, cidade agrícola onde residia com a família no norte do Rio Grande do Sul, fronteira com a Argentina. Nunca mais foi vista. O brasiguaio era casado com uma mulher que morava no Paraguai e apontado como pai do filho da Luana. Conversei demoradamente com ele e com pessoas amigas dele e, portanto, suspeitas de estarem envolvidas no desaparecimento. Em 9 de abril de 2015, Cláudia Hartleben, 47 anos, professora do curso de Biotecnologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), terminou uma aula, foi visitar uma amiga e desapareceu a caminho de casa. O ex-marido e o filho foram apontados como suspeitos. A Justiça não aceitou a denúncia do Ministério Público Estadual e a investigação policial parou. Enquanto esses casos não foram resolvidos, os suspeitos serão sempre suspeitos e as famílias continuarão vivendo na expectativa de encontrar as mulheres desaparecidas vivas ou mortas.
Esses casos se perfilam como aqueles que vez ou outra brotam na memória de velhos repórteres como eu, 69 anos de idade, 40 na lida da reportagem. E a gente acorda no meio na noite pensando que não fez o suficiente para ajudar a esclarecê-los. Ontem (27/11), escutei no rádio do carro a notícia de que a Polícia Civil estava nas ruas de 22 cidades com a Operação Marias, cujo objetivo era apurar crimes praticados contra mulheres. Pelos menos 117 agentes cumpriam 61 mandados de busca e apreensão e 19 de prisão preventiva. Pensei nas famílias da Sirlene, da Cintia e da Claúdia. Sempre que acontece uma operação desse tipo, disse-me um parentes de uma delas, a família fica com esperança de que apareça alguma informação que conduza ao esclarecimento do caso. Claro não tem como a polícia incluir essas ocorrências em uma operação que tem como foco o cotidiano do crime contra a mulher. Mas fica a pergunta:
– Não seria possível a Polícia Civil designar um delegado para cuidar dos casos não resolvidos, como os dessas três mulheres? Elas não são as únicas. Há uma longa lista de crimes envolvendo o sumiço de pessoas à espera de solução. A designação de um delegado para cuidar exclusivamente desses casos seria uma demonstração de respeito do Estado para com toda a comunidade gaúcha, especialmente com as famílias das vítimas. E também um recado forte para quem aposta que o desaparecimento do corpo decreta a vala comum para o inquérito policial.
Até o Estado demonstrar interesse em solucionar esses tipos de caso ele irão se consolidando no imaginário popular como monumentos à impunidade da violência contra a mulher. A nós, repórteres, cabe o compromisso de nunca esquecê-los e, sempre que puder, atirar uma pedra no ocupante do Palácio Piratini para lembrá-lo que é possível fazer alguma coisa. O jovem repórter que está começando na carreira um dia poderá cruzar com um caso desses. Se acontecer, nunca esqueça.