Nascido entre a massa carcerária do Piranhão, como é conhecida a Casa de Custódia de Taubaté, no interior de São Paulo, em 1993, o Primeiro Comando da Capital (PCC) hoje dá as cartas entre a maioria dos 622 mil presos espalhados pelos presídios do Brasil. E agora acaba de expandir os seus domínios para o sistema penitenciário do Paraguai, país vizinho que hoje é o entreposto de cocaína vinda da Colômbia, da Bolívia e do Peru e de armas americanas e do Leste Europeu que abastecem o Brasil.
Soma-se à cocaína e às armas a maconha que é produzida no Paraguai. Portanto, o Paraguai é um país estratégico na geografia das quadrilhas de bandidos espalhadas pelo território brasileiro, especialmente no Rio de Janeiro. Até dois anos atrás, o PCC disputava território com o Comando Vermelho (CV), organização criminosa nascida nos morros cariocas, e outras quadrilhas na fronteira entre o Brasil e o Paraguai, em especial em Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia separada de Ponta Porã, no oeste de Mato Grosso do Sul, por apenas uma avenida longa e cheia de histórias de violência.
A consolidação do PCC dentro dos presídios do Paraguai fez tocar o sinal de alarme no país vizinho. É isso que alerta em seu editorial do último dia 13 o jornal ABC Color, o principal jornal do Paraguai. Antes de seguir contando a história, eu vou falar sobre o ABC. O jornal foi fundado em 1957, e a primeira vez em que estive na redação do ABC foi em 1984. Na época, o governo havia fechado o jornal. Nunca esqueço do que vi na redação: estava às escuras, com as máquinas de escrever cobertas e as cadeiras empilhadas em cimas das mesas. O país era governado pelo ditador general Alfredo Stroessner (1954 a 1989). Nos anos 1990, o Paraguai se democratizou, e o jornal reabriu. Eu participei de uma força-tarefa feita por Zero Hora e ABC que trabalhou em uma reportagem investigativa sobre o roubo de carros no Brasil que eram vendidos no Paraguai.
O ABC Color hoje se perfila entre os raros jornais no mundo que conservaram os seus correspondentes espalhados por várias cidades do país. Portanto, o fluxo de informações vindas de vários cantos do Paraguai dentro da redação é enorme. O jornal cita a participação do PCC em rebeliões acontecidas na Penitenciaria Regional em Concepción, uma importante cidade do Departamento de Concepcíon, a 450 quilômetros ao norte de Assunção (capital do Paraguai) em direção à fronteira com a Argentina. E no presídio de Coronel Oviedo, cidade do Departamento de Caaguazú, que fica a 150 quilômetros a leste de Assunção (capital do país) em direção à fronteira com Mato Grosso do Sul.
O alerta que o ABC faz precisa ser levado a sério pelas autoridades paraguaias e brasileiras. É simples o motivo pelo qual o alerta precisa ser levado a sério. Diferentemente de todas as outras organizações criminosas brasileiras, o PCC nasceu, cresceu e se consolidou empunhando a bandeira de luta contra as más condições de vida existentes nos presídios. A realidade dos presídios paraguaios não é diferente da brasileira. Conheço as penitenciárias do Paraguai de Ciudad del Leste, Tacumbu, a maior do país, em Assunção, e a de Coronel Oviedo. As condições são muito semelhantes às do Presídio Central de Porto Alegre, considerada uma das piores cadeias do mundo. Temos que olhar a questão do PCC nos presididos paraguaios, onde existe uma população carcerária de uns 20 mil presos, como se fosse a primeira experiência do PCC fora das prisões brasileiras – que tem o maior contingente de presos da América do Sul, uns 600 mil.
Nos 12 países da América do Sul, existe uma população carcerária estimada em 1,2 milhão de presos. A grande maioria vivendo em condições miseráveis, como são descritas em vários documentos oficiais da Organização das Nações Unidas – disponíveis na internet. Portanto, um campo fértil para o PCC fazer a sua pregação. Vai ser como riscar um pau de fósforo em um monte de palha seca umedecida com gasolina. Nós, repórteres, temos que começar a explicar para o nosso leitor, de uma maneira simples, direta e sem retoques, que o problema da violência nasce nas condições miseráveis em que vivem os presos na América do Sul, em particular no Brasil. O PCC transforma esses miseráveis em bandidos profissionais que seguem um livro de regras escrito pela cúpula da organização criminosa. Em linhas gerais, é esse o perigo que o editorial do ABC Color fala.