O caso da paisagista carioca Elaine Perez Caparroz, 55 anos, agredida durante quatro horas pelo estudante Vinicius Batista Serra, 27 anos, no primeiro encontro íntimo do casal não é uma exceção. Sempre foi uma oportunidade para quadrilheiros, pessoas com transtornos mentais e outros oportunistas agirem. Por acontecerem em um ambiente pessoal, eles só vem à tona em casos extremos, como foi o da Elaine, que acabou sendo vítima de Serra, uma pessoa com um currículo de violência e que foi preso em flagrante e agora cumpre prisão preventiva.
Há muitos anos nas redações dos jornais, os casos de violência no primeiro encontro íntimo do casal são tratados com “luvas de pelica”, um jargão que os repórteres usam para designar situações em que apenas se limitam a relatar os fatos de maneira superficial, sem procurar as causas do acontecimento, por entenderem que é um assunto pessoal do casal e vamos acabar ou sendo processados por uma das partes ou acusados de sensacionalistas pelos leitores. Estratégia parecida era para tratar os casos de suicídio. Na ocasião, existia uma crença entre os repórteres de que, se desse publicidade para o assunto, outros casos aconteceriam. Felizmente, isso acabou, e as notícias sobre o suicídio passaram a ser tratadas como um caso de saúde pública. E passamos a exigir das autoridades programas de prevenção.
A primeira fez em que ouvi falar nesse tipo de violência foi no final dos anos 1990. Tenho 68 anos e comecei a trabalhar em redação de jornal em 1979. Mas por ter me especializado em migrações, conflitos agrários e crime organizado nas fronteiras, eu sempre passei mais tempo viajando pelos sertões do Brasil do que na redação. Acredito ser esse um dos motivos de ter cruzado com esse tipo de crime quase duas décadas depois de trabalhar em redação. Na ocasião, estava tomando chimarrão na sala de um velho delegado da Policia Civil, em Porto Alegre. Como se diz na gíria da redação: “estava jogando conversa fora”, na esperança de sair de lá com uma boa pauta. No fim da conversa, o delegado puxou de uma gaveta uma pasta de papel: “dá uma olhada. Estamos correndo atrás de uma quadrilha que se especializou em seduzir mulheres e depois roubá-las. Assunto interessante. Tenho alguns casos aqui, mas acredito que existam muito mais que não foram comunicados à policia por constrangimento das vítimas”, vendeu a pauta.
A estratégia do delegado era simples. Ele queria que os jornais entrassem no assunto para encorajar outras vítimas a procurar a polícia e denunciar o caso, o que facilitaria o trabalho de investigação. Consegui convencer uma das vítimas a falar comigo. Ofereci para ela um off – que, no linguajar da redação, significa ouvir uma história, publicá-la sem citar o nome de quem a contou ou qualquer referência que possa identificá-la. O relato do delegado preencheu os pontos que ela omitiu na conversa.
O golpe da quadrilha era simples e eficiente. Jovens freqüentavam bares caros da Região Metropolitana de Porto Alegre, onde mulheres de meia idade e bem-sucedidas na profissão faziam o seu happy hour. Pelos relatos no inquérito policial, eles conseguiam, em uma semana, se aproximarem da vítima, seduzi-la e convencê-la a levá-lo para um encontro íntimo da casa dela. No encontro, elas eram roubadas e humilhadas. Graças à publicidade que o assunto teve com a reportagem, outras vítimas procuraram a polícia, que acabou prendendo a quadrilha. Depois de publicar a matéria, eu voltei para a minha rotina de viagens. Mas sempre fiquei de olho em situações mal explicadas.
Alguns anos depois do caso das mulheres executivas, eu conversei com um homem de meia idade que foi seduzido por uma mulher jovem em um bar de executivos. No segundo encontro, o casal acabou na casa dele para ter o primeiro encontro íntimo. No outro dia, ele acordou, e a jovem havia desaparecido, levando vários objetos de valor como dinheiro, jóias, cartões de crédito e equipamentos eletrônicos. Só consegui falar com essa vítima porque ela precisou registrar o caso na polícia para receber o seguro. Em uma conversa longa que tive, em 2010, com um professor universitário da comunidade LGBT, ouvi dele a necessidade de os jornalistas alertarem sobre os perigos que rodam o primeiro encontro íntimo de um casal. E de pressionarem a polícia para ter pessoas especializadas em tratar o assunto. “Muitas vítimas não registram o caso na polícia porque se sentem humilhadas pela maneira como são tratadas pelo policial”, relatou o professor.
Nas palestras que tenho feito para estudantes de jornalismo e repórteres das redações dos jornais do interior do Brasil, eu chamo de predadoras as pessoas que se aproveitam do primeiro encontro íntimo para roubar, furtar e humilhar as suas vítimas. Com a popularização da internet, o campo de caça do predador migrou dos bares para as redes sociais, como foi o caso da paisagista carioca Elaine, que foi agredida pelo Serra. O casal ficou oito meses trocando mensagens nas redes sociais até o primeiro encontro. A questão não é o meio que ele usará para chegar a sua vítima. Ou o tempo que levará armando o seu golpe. Mas nós, repórteres, publicarmos informações que ajudem as pessoas a detectar o perigo.