O que aconteceria com o bairro boêmio da Capital se os bêbedos saíssem dali?

A boêmia na Cidade Baixa não vai ser expulsa pelos moradores, ou pelos confrontos com a Brigada Militar. Mas pelos preços cobrados pelos botecos, já aconteceu no Bom Fim. Foto: arquivo pessoal

Correram nos noticiários do Brasil as cenas de violência no enfrentamento entre tropas da Brigada Militar (BM) e grupos de jovens bêbedos durante o carnaval de rua na Cidade Baixa. É uma rotina que tem se repetido no bairro boêmio de Porto Alegre. Já foi pior. Sem recuar muito no tempo, nos últimos 50 anos a vida noturna andou pela Avenida Osvaldo Aranha, no Bom Fim, depois migrou para o trecho das avenidas Goethe e Mariante, perto da Protásio Alves, e finalmente se estabeleceu na Cidade Baixa, concentrando-se nas ruas Lima e Silva, República, José do Patrocínio, João Alfredo e adjacências. Conheço a história dessa migração porque em boa parte dos meus 40 anos como repórter de redação participei da cobertura dos confrontos entre policiais e bêbedos. E também porque sou pai de quatro filhos, um nascido no final dos anos 70, outro na metade da década de 80, o terceiro em 2000 e o último seis anos depois. Isso significa que incontáveis vezes levei e busquei meus filhos em algum reduto boêmio da cidade. Claro, antes de inventarem o Uber.

Eu fiz isso e muitos dos meus colegas também. Geralmente enchemos os nossos conteúdos nos noticiários sobre o bairro boêmio com as brigas que ocorrem entre jovens embriagados e brigadianos e os xingamentos dos moradores obrigados a conviver com a balbúrdia e a sujeira deixada nas calçadas em frente aos seus prédios. Não é por outro motivo que os imóveis perdem valor de mercado. Em 21 de agosto de 2017 escrevi o post “O Bairro Boêmio de Porto Alegre acaba se não existir conflito entre os moradores e os frequentadores”. O que nós não escrevemos? Por exemplo, como nasce um bairro boêmio? Não sei em outros lugares. Mas aqui em Porto Alegre eles nascem ao redor de um boteco – aqueles com mesas e cadeiras desgastadas pelo tempo – que vende cerveja gelada a preços compatíveis com o bolso dos estudantes universitários. E um “tira gosto” cuja porção para uma pessoa possa ser repartida entre duas. O Bom Fim se estruturou na época na Ditadura Militar (1964 a 1985) porque várias faculdades da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) funcionavam nas redondezas e as conversas sobre política acabavam na mesa do boteco – claro que aquele onde a cerveja era mais barata. Nos anos 70, eu cursava a Faculdade de Letras, que funcionava ali na região. Processo semelhante aconteceu na Goethe e na Cidade Baixa.

E o que leva a acontecer a migração da vida noturna de um bairro para outro? Temos escrito que tem sido a pressão dos moradores aliada com políticas da Prefeitura Municipal. Não é bem assim. A decadência se inicia quando os botecos começam a cobrar preços não compatíveis com o bolso dos estudantes. Por que isso acontece? Depois que o lugar se torna “cult” – no sentido de virar moda – começa a atrair outro tipo de clientela, com mais dinheiro no bolso. A vida noturna ainda não migrou da Cidade Baixa porque ganhou uma sobrevida com a chegada da “turma do isopor”, grupos de jovens que levam de casa a sua própria bebida (vodka, energético e cerveja em lata) e se reúnem na frente dos botecos. Eles estão com os dias contados porque estão sendo reprimidos. Lembro que entre os jornalistas, principalmente os que faziam plantão nas redações no fins de semana e se envolviam com coberturas sobre os “rolos” da Cidade Baixa, existiam uma discussão sobre qual se tornaria o novo bairro boêmio de Porto Alegre. Um bom número de colegas apostava que a migração se daria para a orla do Guaíba, no trecho que foi revigorado. Hoje as chances de que isso aconteça são mínimas porque o preço da cerveja no local é altíssimo. E mais: o “tira gosto” é mal preparado e caro. O certo é que a migração vai acontecer porque os botecos da Cidade Baixa não vão baixar os seus preços. Para onde? O tempo vai dizer. Mas um coisa que já se pode afirmar é que os botecos da Cidade Baixa vão entrar em decadência e os moradores vão ter a sua paz de volta. Vai valer a pena? É uma pergunta que temos que fazer para os comerciantes e moradores da Cidade Baixa.

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