A Constituição do Brasil garante a Ronaldinho Gaúcho e seu irmão Assis o direito ao sigilo das suas finanças. Eles só devem explicações para a Receita Federal. Mas a prisão dos dois pela Polícia Nacional do Paraguai, por terem entrado no país portando passaportes e carteiras de identidade falsas, exige que nós repórteres tenhamos uma ideia da atual situação financeira do craque. Isso nós dará segurança para informar ao nosso leitor os motivos que o levaram a se envolver com as máfias de doleiros e lavadores de dinheiro paraguaias. Os irmãos foram levados ao Paraguai pela empresária Dalia López, que no submundo de Assunção disputa o lugar ocupado por Dario Messer. Atualmente cumprindo pena no Brasil, o “doleiro dos doleiros”, como Messer é conhecido, continua dando as cartas no Paraguai através do seu aliado, o senador vitalício e ex-presidente da República Horácio Cartes, empresário do ramo de falsificação de cigarros.
Dalia López é considerada foragida pela Justiça do Paraguai. Ela tem muitos negócios, como lembra o procurador da Justiça paraguaio Osmar Legal, o responsável pela prisão preventiva de Ronaldinho e Assis. Um dos negócios da empresária envolve parlamentares do Departamento (Estado) de San Pedro. Estive várias vezes fazendo reportagens em San Pedro. Lá existem três grandes negócios, um lícito e dois ilegais. O lícito é a migração de brasiguaios – como são chamados os agricultores brasileiros que migraram para o Paraguai – procedentes de outros departamentos, principalmente do Alto Paraná, que chegam à região em busca de terras para plantar soja. Nos anos 90, o governo do Paraguai fez vários projetos de reforma agrária na região que fracassaram e os beneficiários acabam vendendo suas terras a troco de banana. Um dos negócios ilícitos é a plantação de maconha, que ocupou os lotes da reforma agrária. As plantações são financiadas pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), que está instalado em Pedro Juan Caballero, cidade que fica a 280 quilômetros ao norte de San Pedro, na fronteira com o Brasil (uma avenida a separa de Ponta Porã, no oeste do Mato Grosso do Sul). O outro é o sequestro de brasiguaios. O crime é praticado pelo Ejército del Pueblo Paraguayo (EPP), um grupo armado que surgiu na região travestido de movimento político, mas que vive da proteção aos plantadores de maconha e do sequestro de brasiguaios.
Como a maioria dos ex-craques de futebol, Ronaldinho Gaúcho ganha dinheiro com contratos da sua imagem para a venda de produtos. Agora vem a pergunta para a qual alerto os meus jovens colegas repórteres: o que levou o ex-jogador a se envolver com as máfias paraguaias e correr o risco de danificar o seu grande patrimônio atual, que é a sua imagem? Mais ainda: há uns dois anos, ele e o irmão Assis tiveram seus nomes ligados a um empreendimento que pretendia instalar em Porto Alegre um cassino, atividade proibida pela lei brasileira. O que nós sabemos? Ele ganhou muito dinheiro na sua vida de craque. Também é público que teve grandes prejuízos com investimentos mal feitos, como foi o caso da construção de um píer no Guaíba que lhe custou uma multa ambiental de uns R$ 6 milhões – e que, por não ter sido paga, resultou na apreensão (já revogada) dos passaportes dele e do irmão. Nós temos que explicar ao nosso leitor se esse flerte com a ilegalidade que Ronaldinho Gaúcho demonstra de uns anos para cá tem a ver com a sua atual situação econômica, que é desconhecida. Tenho insistido com os meus colegas repórteres que o caso da prisão de Ronaldinho Gaúcho e Assis não é um assunto sobre futebol. É um caso de polícia, que precisa ser investigado com rigor para que se possa esclarecer ao nosso leitor o que realmente vem acontecendo. A maioria dos grandes jornais enviou para Assunção repórteres de esporte para cobrir a prisão do ex-craque. Nada contra. Mas o fato é que a cobertura jornalística exige repórteres de polícia com fontes nas máfias paraguaias, na Justiça do Paraguai e principalmente na Polícia Nacional.
O pessoal com quem Ronaldinho Gaúcho se envolveu no Paraguai é “barra pesada” – expressão usada pelos antigos repórteres policiais para designar gente perigosa. Hoje, na geografia do crime organizado na América do Sul, o dinheiro que alavanca o tráfico internacional de drogas, armas, munições, carros clonados e cigarros pirateados passa pelas mãos dos doleiros que vivem no Paraguai e circulam pelas grandes cidades do continente, como São Paulo, Rio de Janeiro, Buenos Aires e Cidade do México. São eles que fazem as grandes operações de lavagem de dinheiro ao redor do mundo. O envolvimento de Ronaldinho Gaúcho com esse submundo não tem nada a ver com o seu futebol. É outro assunto, um caso policial. Para que se possa informar com precisão o nosso leitor é necessário sabermos qual é a atual situação financeira do ex-craque. É simples assim.