Na semana passada, não foi pelo apartamento triplex, em Guarujá (SP), que o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT – SP) acabou sendo condenado por três desembargadores do Tribunal Regional federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre, a 12 anos e um mês de cadeia e a correr o risco real de ser preso. Em 1954, não foi por estar envolvido em corrupção, como era acusado por seus adversários políticos, que o presidente do Brasil Getúlio Vargas se suicidou. Dez anos depois, em 1964, não foi por ser simpatizante dos comunistas que o então presidente do Brasil, João Goulart, foi vitima de um golpe militar e se exilou no Uruguai com aliados políticos, entre eles Leonel de Moura Brizola, ex-governador do Rio Grande do Sul. Lula, Vargas, Goulart e Brizola foram encurralados por adversários políticos e empurrados para fora do poder por serem símbolos de uma economia com a participação forte do Estado. Os programas sociais do governo Lula tiraram milhares de pessoas da miséria. Vargas implantou as leis trabalhistas e consolidou a Petrobrás. Goulart propôs fazer reformas de base, e Brizola revolucionou a educação.
E qual a visão que nós, repórteres, publicamos sobre o que estava acontecendo nesses quatro diferentes momentos da história? A do lado vencedor. Hoje, graças às novas tecnologias, nós podemos mergulhar fundo nos acontecimentos em busca de informações corretas sobre os fatos para explicar ao nosso leitor o que realmente acontece. Antes de seguir conversando com os meus colegas repórteres velhos e os jovens na profissão. Como é nosso costume na mesa do boteco, eu vou simplificar a explicação. Há duas grandes correntes na economia que disputam o poder no mundo: os que defendem a participação do Estado na regulamentação dos mercados e na administração de empresas estatais. E os que pregam a desregulamentação dos mercados e das empresas privadas. É por aí que tudo acontece. Na época de Vargas, Goulart e Brizola, nos países da América do Sul, foram usadas as forças armadas para trocar o modelo político e econômico da região. Nos países desenvolvidos, tipo a Inglaterra, onde a presença do Estado era muito forte na economia, foi usada a opinião pública para desestabilizar os sindicatos e fortalecer um novo governo comprometido com a privatização dos meios de produção – há vasto material disponível na internet.
O que aconteceu na Inglaterra, acontece hoje no Brasil: a opinião pública substituiu as forças armadas. No governo do Fernando Henrique Cardoso (PSDB – SP), de 1995 a 2003, houve uma forte desestatização da economia, a consolidação da Plano Real, que controlou a inflação, e a votação da emenda à Constituição que permitiu a reeleição. Aqui é o seguinte: a conversa sobre corrupção do governo havia perdido força – por falta de liberdade de imprensa – durante o período militar (1964 a 1985), reapareceu no governo do presidente da República José Sarney (MDB – MA), de 1985 a 1990, fortaleceu-se no do presidente Fernando Collor de Mello (PRN – AL), de 1990 a 1992 (houve impeachment), permaneceu durante os mandatos de Fernando Henrique (1995 a 2003) e ganhou proporções de epidemia nos de Lula e Dilma Rousseff (2003 a 2016, quando o houve o impeachment). Dilma foi substituída pelo seu então vice, Michel Temer (MDB – SP).
A diferença entre os governos do PSDB e do PT foi o aumento da presença do Estado na economia. Isso é um fato – há farto material na internet. Os bancos estatais nunca foram tão presentes como nessa época, e houve a presença da Petrobras na exploração do pré-sal (novos campos petrolíferos encontrados em grandes profundidades no mar). Aqui convido aos meus colegas a usar a lógica das reportagens policiais para entender a situação. Se dentro desse modelo, com a forte presença do Estado na economia, foram descobertos empresários, parlamentares, ministros e outras autoridades envolvidas com corrupção, a lógica não seria colocá-los na cadeia e seguir com o modelo? Não foi isso que aconteceu: as empresas envolvidas estão praticamente quebradas, e o Estado se retira da economia a passos largos. O Brasil é hoje um país governado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e pelas outras instâncias da Justiça. A força-tarefa da Operação Lava Jato é o novo messias do Brasil. O que nós, repórteres, temos que mostrar ao nosso leitor é que o modelo econômico é uma coisa, o desvio de conduta de uma pessoa é outra coisa, e que o esteio da democracia não é uma sentença de um juiz ou o discurso de um candidato a cargo eletivo. É o voto dele. Cabe a nós, repórteres, colocarmos todos os fatos na frente do nosso leitor para que ele tome a sua decisão. Quem tem o poder é o eleitor, não é caneta do juiz ou a conversa do candidato, ponto.