A imprensa do Brasil bem que podia ter ajudado as lideranças do agronegócio explicando de maneira mais simples, objetiva e exata as palavras a respeito da Floresta Amazônica do hoje presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden (democrata). As palavras foram ditas durante o primeiro debate da campanha que teve com o atual presidente americano, Donald Trump (republicano), que concorria à reeleição. No debate, que aconteceu no final de setembro (29/09), Biden disse que iria organizar a arrecadação de 20 bilhões de dólares para o Brasil parar de queimar a Floresta Amazônica. Advertiu que, caso o país persistisse destruindo a floresta, poderia sofrer sanções econômicas. Ontem (17/11), no programa Conversa com Bial, da Rede Globo, o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama (democrata) lembrou que o Brasil está no centro da questão ambiental do mundo. O que o Obama não disse: não foram os americanos que colocaram o Brasil no centro da questão ambiental mundial. Os brasileiros é que chegaram a essa posição com o seu trabalho pela preservação do planeta.
Como o Brasil chegou lá? Eu sou um velho repórter e testemunhei parte importante dessa história. Em 1974, eu era estudante da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e consegui um trabalho de “faz tudo” – motorista, burocrata, distribuidor de jornais e o que mais pintasse – na Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre (Coojornal), um órgão da imprensa alternativa. Eram tempos duros para a imprensa porque o país era governado pelos militares que deram o golpe em 1964. Mesmo debaixo de “porradas”, a imprensa alternativa conseguia publicar matérias que os grandes jornais não podiam, porque tinham um censor de plantão dentro nas redações. E foi no Coojornal, cuja edição era mensal, que li uma matéria de capa sobre José Lutzenberger, agrônomo, que chamava os fabricantes de agrotóxicos de bandidos e outros adjetivos. Em 1973, a soja havia alcançado um preço astronômico na Bolsa de Mercadorias de Chicago (Estados Unidos) e, por conta disso, os agricultores gaúchos estavam plantando o grão em cada centímetro de terra. E usavam os venenos agrícolas e adubos de maneira indiscriminada. Por consequência, se contaminavam e morriam aos montes. Já na época brotavam organizações que lutavam pelo meio ambiente na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil, em 1971, Lutzenberger fundou a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), que foi responsável pelo surgimento de uma geração de ambientalistas. Ele faleceu em 2002 e sua história é contada no livro Sinfonia Inacabada: a vida de José Lutzenberger, da jornalista Lilian Dreyer.
Claro, Lutzenberger não era o único defensor do meio ambiente no começo da década de 70. Mas com certeza foi o que fez mais “barulho”. Em consequência da valorização da soja, o preço da terra aumentou muito, o que ajudou no ressurgimento da luta pela reforma agrária, que havia sido congelada pelo golpe militar. O povoamento das fronteiras agrícolas com agricultores do sul do Brasil foi uma das saídas que o governo federal apostou para diminuir a pressão pela reforma agrária. O que eram as fronteiras agrícolas? Grandes áreas de terras públicas nas regiões Centro-Oeste e Norte, cobertas pela vegetação do Cerrado e da Floresta Amazônica. E habitadas por várias tribos de índios. As centenas de famílias de agricultores que povoaram as fronteiras agrícolas recebiam 200 hectares de terra, financiamento para desmatar 50% da área e plantar lavouras. A maior parte desse povoamento foi financiado por bancos internacionais. Em 1976, nasceu no interior do Acre o “Empate”, que tinha na sua organização os sindicalistas e seringueiros Wilson Pinheiro e Francisco Alves Mendes, o Chico Mendes. O Empate consistia em perfilar homens, mulheres e crianças ao redor das árvores, para impedir que fossem derrubadas. A antropóloga Mary Allegretti conseguiu articular a ida de Chico Mendes aos bancos mundiais para reivindicar que parassem de financiar a derrubada da floresta. Os bancos suspenderam o financiamento. Chico Mendes foi assassinado em 1988. Mary Alegretti conhece toda a história e precisa ser resgatada pela imprensa.
O agronegócio nasceu nas fronteiras agrícolas. Portanto, com a marca de derrubador de florestas. Nós últimos 40 anos as lavouras de grãos dessas regiões incorporaram novas tecnologias e, pressionados pelos compradores internacionais, investiram na preservação ambiental, principalmente da Floresta Amazônica. Com essas iniciativas conseguiram se livrar da marca de derrubadores de florestas. Isso tudo foi por terra nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro. Por quê? Ele recebeu na sua campanha apoio político e financeiro do agronegócio, dos madeireiros clandestinos, garimpeiros e grileiros de terras públicas. Foram todos colocados no mesmo saco. Agora é o seguinte: se Biden colocar o Brasil contra a parede na questão da Floresta Amazônica, os grileiros, garimpeiros e madeireiros clandestinos somem da área, como já fizeram antes. Fica o agronegócio. Aqui é o seguinte. Nós jornalistas, em especial os colegas da área econômica, cunhamos o termo agronegócio como sinônimo de grandes produtores de grãos e de gado. Mas não é assim. Os grandes produtores de grãos (soja e milho) e os pecuaristas de corte são uma parte. Outra são os produtores de frangos, suínos e leite que são donos de pequenas e médias propriedades familiares espalhadas pelo Sul do Brasil, que trabalham em parcerias com as agroindústrias e geram centenas de empregos. Ou seja, eles não têm um comando central. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, vai defender os interesses do agronegócio perante o governo Biden? Como assim? Ela é parte do problema, por pertencer ao governo do presidente Bolsonaro.
O agronegócio do Brasil está com um problema muito sério nas mãos. Biden não está blefando. E o presidente Bolsonaro continua insistindo na sua política na questão da Selva Amazônica. Portanto, o que vem por aí pode significar um grande problema para os agricultores. Optei por fazer o texto da nossa conversa colocando no palco acontecimentos históricos para melhor fundamentar os fatos. O planeta em que vivemos é um só. Se o governo Bolsonaro não entender isso, Biden e outros líderes mundiais vão agir. Podem apostar.