O que une os garimpeiros da terra yanomami e os terroristas de Brasília?

PF vai cruzar as informações sobre os acontecimentos de Brasília e os da terra yanomami? Foto: Reprodução

No final do mês passado, enquanto os principais jornais do mundo publicavam as imagens de homens, mulheres e crianças reduzidos a pele e ossos pela invasão dos garimpeiros da terra yanomami, o governador de Roraima, Antonio Denarium, 59 anos, (PP), reclamava para os senadores, em Brasília, em favor dos invasores da área indígena. O seu maior argumento era que 46,21% do território estadual são reservas indígenas, sendo a yanomami é a maior delas, ocupando uma área de 9,6 milhões de hectares na fronteira com a Venezuela. Denarium é aliado do ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) e seguiu à risca o pensamento bolsonarista sobre facilitar a entrada ilegal de garimpeiros nas reservas indígenas. A Constituição do Brasil assegura ao governador e a qualquer outro cidadão a liberdade de ser seguidor político de quem bem entender, desde que não desrespeite as leis. A história da invasão da terra yanomami e de outras reservas por garimpeiros durante o governo do ex-presidente está sendo discutida em inquéritos da Polícia Federal (PF) e em processos andando no Supremo Tribunal Federal (STF). Fiz essa contextualização no início do texto para facilitar a nossa conversa. Vamos aos fatos, como diziam os editores das redações nos tempos das máquina de escrever.

Confesso que quando ouvi e vi o governador Denarium “chorar as pitangas” em Brasília na defesa do garimpo ilegal não dei importância para o aspecto legal da invasão das reservas incentivada pelo ex-presidente da República e cumprida à risca pelos seus seguidores. Pensei em duas figuras históricas da luta pela preservação do meio ambiente no Brasil. O agrônomo gaúcho José Lutzenberger (1926-2002) e o seringueiro e sindicalista Chico Mendes (1944-1988), morto a tiros pelo fazendeiro Darci Alves, a mando do seu pai, Darly Alves, uma semana depois de completar 44 anos, na sua casa em Xapuri, pequena cidade no meio da selva amazônica no Acre. A história desses dois personagens é contada em diversos livros, artigos, documentários e ainda circula de boca em boca pelos rincões do Brasil. Nas décadas de 70 e 80, eles eram algumas das raras vozes no mundo que defendiam o respeito ao meio ambiente, não só porque era um bom negócio, mas também porque era essencial para a sobrevivência da raça humana. Fiz várias matérias com Lutzenberger e estive trabalhando várias vezes em Xapuri, uma delas no julgamento dos matadores de Chico Mendes, um evento que mereceu a cobertura de jornalistas do mundo inteiro. No dias atuais, grandes empresários, fundos de investimento (os maiores investidores do mercado financeiro) e conglomerados de empresas defendem a preservação do meio ambiente. Durante o governo Bolsonaro, os empresários brasileiros, especialmente os do agronegócio, foram alertados pelos fundos que, caso continuassem a devastação da Floresta Amazônica, os produtos do Brasil seriam varridos do mercado internacional.

O que descrevi não é opinião. São fatos que podem ser encontrados nos noticiários diários, livros, documentários e nos currículos escolares ao redor do mundo. Antes de seguir, vou falar um assunto que julgo importante para a nossa conversa. Tenho escrito e vou continuar a escrever que a idade e o tempo de carreira não tornam um velho repórter um sábio. Muitos menos a juventude e inexperiência de um repórter o tornam um inovador na profissão. O que nos molda como profissionais relevantes aos nossos leitores é o trabalho diário na busca para publicar a matéria mais completa possível. Agora voltando a nossa conversa. A matéria mais completa possível é aquela em que se busca novidades no cruzamento das informações. Não é fácil, ainda mais nos tempos atuais, em que o jornalista é submetido a uma carga de trabalho imensa na feitura de textos e imagens a serem publicados em várias plataformas. Mais é possível fazer. Vamos pegar a choradeira para os senadores do governador Denarium. As reservas indígenas em Roraima não são um problema para a economia local. São uma solução. Há dinheiro no mundo para ser investido na preservação da Floresta Amazônica e dos seus povos. Conheço e fiz matéria nas duas maiores reservas indígenas de Roraima: yanomami e Raposa do Sol, uma área de 1,7 milhão de hectares onde vivem os macuxis e outras etnias. Qualquer repórter ao redor do mundo sabe a história dessas duas reservas e a importância da sua preservação para a humanidade. Não por outro motivo que tudo que acontece lá vira notícia ao redor do mundo.

O governador defende que as reservas indígenas precisam ser abertas ao garimpo. O que a história nos conta sobre o assunto. O garimpo que é feito nas terras indígenas é sinônimo de destruição. Basta olhar as imagens dos yanomami. Qual a diferença entre o rastro de destruição deixado pelos garimpeiros no território yanomami e a destruição de 8 de janeiro pelos bolsonaristas radicalizados do Congresso, no Palácio do Planalto e no STF, em Brasília? Rende uma boa matéria essa comparação. Ela interessa à opinião pública. Algumas coincidências entre os dois fatos: foram organizados, financiados por empresários e facções criminosas e estão sendo investigados pela PF. No caso dos yanomami, além da destruição da natureza existem as mortes de homens, mulheres e crianças pela fome e doenças. Quem são os mentores desses dois fatos e mais os horrores causados pela política negacionista do governo sobre o poder de contaminação e a letalidade da Covid-19, que matou mais de 700 mil brasileiros? Todos sabem, basta ler os jornais. Precisamos ser mais precisos nas nossas matérias sobre o fio que liga esses três fatos. Há muitos nomes importantes nessa história que precisam ser puxados para a bronca, como falam os repórteres que trabalham na cobertura de assuntos policiais. Que se diga de passagem, a maioria desses jornalistas são profissionais altamente qualificados na investigação jornalística. Pena que estão desaparecendo das redações.

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