A retomada da cobrança de pedágio nas estradas gaúchas é uma oportunidade de se fazer um jornalismo relevante para o nosso leitor. De 1998 até 2013, funcionaram sete polos rodoviários concedidos à iniciativa privada. Na ocasião, nós, repórteres, ficamos presos no fogo cruzado entre os políticos que defendiam os pedágios e os que eram contrários. Deixamos de lado um estudo aprofundado dos contratos firmados entre o governo e as concessionárias. A nossa falta de conhecimento do que havia sido acordado revelou-se prejudicial para os interesses dos nossos leitores e dos usuários das rodovias.
O pedágio era caro, a conservação das rodovias deixava muito a desejar, e as obras de melhoramento, como a construção de terceira pistas nas subidas, eram escassas. Toda essa situação era vista a olhos nus. O que se desconfiava foi confirmado no ano passado. Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), que usou informações coletadas pela Operação Cancela Livre, da Polícia Federal (PF), em 2017, descobriu que a Concepa, concessionária da BR-290 (freeway), tinha usado material de qualidade duvidosa para os reparos na rodovia. Pelo contrato, a rodovia teria que durar 8 anos após o encerramento do pedágio. Os primeiros buracos começaram a surgir na semana seguinte ao fim do contrato.
A questão da Concepa é a ponta de um iceberg. No trecho de 320 quilômetros da BR-386, entre Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, e Sarandi, no Planalto Médio, existiram quatro estações de cobrança de pedágio. A BR-386 é conhecida como Estrada da Produção, porque por ali transita a maioria dos caminhões que transportam a safra de soja para as indústrias nas cidades ao redor de Porto Alegre e para o Porto de Rio Grande, no sul do Estado. Existiam cláusulas nos contratos das concessionárias que as obrigasse a fazer obras de ampliação no trecho? Conheço muito bem a estrada. Não lembro de obras de ampliação. Inclusive, recordo que um trecho de serra, entre Carazinho e Sarandi, só recebeu uma terceira pista depois que terminou a concessão.
Entre os motoristas, a BR-386 é apelidada de “Matador”, tal é o número de acidentes fatais que acontecem na rodovia. Durante os anos em que trabalhei em redação de jornais (1979 a 2014), escrevi dezenas de reportagens sobre os perigos dessa estrada. Jamais me dei ao trabalho de examinar os contratos das concessionárias da rodovia. Por quê? Simples, eu entrei no “piloto automático”, uma expressão usada pelos repórteres para dizer que fica repetindo o mesmo argumento, sem atentar para as suas causas. Aqui há um fato importante. Nas concessões, que terminaram em 2013, a discussão sobre o assunto ficava por conta das reportagens publicadas em jornais, noticiários de TV e rádios. As redes sociais ainda estavam engatinhando. Hoje, as redes sociais fazem parte da vida do nosso leitor como o ar que ele respira. Portanto, ele vai usá-las para reclamar, ou elogiar, os serviços prestados pelas novas concessionárias. E cabe a nós, repórteres, esmiuçarmos os contratos assinados entre o governo e as concessionárias para fiscalizar se o que foi contratado está sendo cumprido.
As redes sociais redefiniram o papel do repórter, tenho dito isso nas minhas palestras para jovens repórteres e estudantes de jornalismo. O nosso foco é descobrir sobre o assunto o que não é público. Mas tem influência no cotidiano do leitor. Não é uma tarefa fácil. É trabalho de repórter, como se diz nas redações: “trabalho para gente grande”.