Creio que foi em uma dessas conversas de boteco entre repórteres, onde todos falam ao mesmo tempo, que, certa vez, ouvi de um colega uma definição sobre a história que tenho repetido pela vida afora, por considerá-la uma explicação perfeita. Ele disse que a história é como um trem em movimento, onde cada acontecimento vai se engatando em outro como se fosse um vagão. Não lembro o nome do colega. Mas lembro que foi durante uma cobertura de um conflito agrário que reuniu repórteres de vários cantos do Brasil e do mundo nos anos 1980, em Cruz Alta, cidade agroindustrial do interior gaúcho. Eu fazia a cobertura para Zero Hora (ZH), onde trabalhei como repórter especial de 1983 a 2014. E foi em ZH que engatei dois vagões nesse trem: Brasil de Bombachas, em 1995, onde conto a história das famílias de agricultores pioneiras no povoamento das fronteiras agrícolas do Meio-Oeste nos anos 1970. E Brasil de Bombachas – As Novas Fronteiras da Saga Gaúcha, em 2011, onde falo sobre os descendentes dos pioneiros e os novos desafios na lida rural.
Agora, em 2019, eu estou engatando mais um vagão no trem: De Pai Para Filho na Migração Gaúcha é um livro-reportagem onde explico fatos que apenas citei em 1995 e 2011 e que, com o passar dos anos, consegui esclarecê-los melhor, por exemplo: a expulsão das 1,5 mil famílias de agricultores que viviam como intrusas na Reserva Indígena de Nonoai pelo cacique Nelson Xangrê, em 1978. Boa parte dessas famílias foi levada pelo governo federal para colonizar as novas fronteiras agrícolas no Meio-Oeste. Em 2014, ao acaso, eu encontrei o caingangue Amandio Vergueira em um acampamento à beira da estrada de Passo Fundo a Pontão. Em 1978, ele era o braço-direito de Xangrê e foi o encarregado de negociar com o Exército – na época, o Brasil era governado pelos militares – em um conflito com os agricultores intrusos nas suas terras. Ele conversou com o então general Jose Eduardo Lopes Teixeira, em Santo Ângelo.
A minha conversa com Vergueira me ajudou a entender um longo papo sobre as fronteiras agrícolas que tive em 1995, em Brasília, com o general Danilo Venturini, um homem de grande conhecimento em assuntos agrários da América do Sul que ocupou postos importantes no governo militar. Na ocasião em que falei com Venturini, eu estava escrevendo Brasil de Bombachas e não a mencionei em profundidade no que escrevi na época porque havia pontas soltas. Consegui atar essas pontas com a conversa que tive com Vergueira em 2014. E as explico no livro De Pai Para Filho na Migração Gaúcha.
O esforço de esclarecer como tudo aconteceu é importante para a exatidão do registro da história que serve de conteúdo para os livros escolares. Um fato que abordo no livro é sobre a sucessão familiar. O assunto começou a aparecer em 2011. E agora virou assunto do dia. Não é uma conversa tranquila nas famílias. Mas o resultado do que foi negociado irá influenciar a economia das vastas regiões povoadas pelos pioneiros. Falei com pesquisadores, consultores e com as famílias sobre o assunto. Não existe uma formula pronta para resolver o problema. “Cada caso é um caso”, como me disse um consultor. Encontrei casos de sucessão bem resolvidos e outros sendo negociado pela família. Outro assunto é sobre as novas fronteiras agrícolas no Brasil. Em uma delas, eu testemunhei o seu início: Tocantins. E a outra eu não acreditava que se criaria, porque já havia sido tentado e falhado, que são as terras das fronteiras gaúchas com o Uruguai e a Argentina. O Pampa, como é conhecido, tem um clima que é considerado uma armadilha para a soja – a principal planta dos agricultores. Graças à descoberta de novas tecnológicas de plantio, melhoramentos feitos em sementes e novos produtos químicos, o plantio de soja começou a se alastrar pelo Pampa. O Pampa é a moradia das famílias ligadas à pecuária. A chegada da soja em grande escala começou a mudar um modo de vida.
Então é isso. Esse novo vagão que engatei no tal trem da história traz fatos novos sobre a saga dos gaúchos. Explora caminhos que estão sendo traçados para o futuro dessas famílias. E cumpre uma lei básica do jornalismo. A busca pela verdade é permanente.