Por que a palavra do ex-deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) perdeu o valor para a imprensa, as redes sociais e os investigadores da força-tarefa da Operação Lava Jato? Há três motivos que explicam essa situação, dois deles são conhecidos, e um permanece encoberto pelas sombras dos bastidores da Lava Jato. Os dois motivos conhecidos: primeiro, é que ele não contou novidade alguma sobre os seus cúmplices nos crimes que cometeu, como lavagem de dinheiro e corrupção, que lhe custaram uma condenação de 25 anos de cadeia pelo juiz Sérgio Moro, da Operação Lava Jato. O segundo motivo é que, mesmo cumprindo pena em um presídio da Região Metropolitana de Curitiba (PR), Cunha usou a imprensa e as redes sociais para chantagear os seus aliados na Câmara Federal e no grupo político do presidente da República, Michel Temer (PMDB – SP).
Esmiuçar o terceiro motivo pelo qual a palavra de Cunha perdeu o valor é uma boa oportunidade que nós, repórteres, temos para cativar os nossos leitores. E os novatos nas redações, para conseguir um lugar ao sol. Todo repórter sabe que o valor da prova física é insubstituível. Não foi por outro motivo que as delações de executivos e proprietários da Odebrecht se transformaram em um importante esteio da Lava Jato. Graças a uma secretária, os investigadores descobriram que a empresa mantinha um departamento que contabilizava o recebimento de dinheiro ilegal e o pagamento de propinas. Cada palavra que o ex-presidente da empresa Marcelo Odebrecht falou na sua delação tem provas materiais. As delações de executivos e proprietários da JBS também estão ancoradas em provas materiais. Elas têm áudios e vídeos, sendo que uma deles é de um corrupto (o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB – PR), flagrado correndo pelas ruas de São Paulo arrastando uma mala com R$ 500 mil de propina paga por Joesley Batista, um dos donos da JBS e delator da Lava Jato. A delação de Joesley Batista foi uma das provas usadas pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot para as duas denúncias que fez contra Temer, que foram barradas pelo plenário da Câmara Federal – são parlamentares que autorizam, ou não, o prosseguimento do processo contra o presidente da República.
Mesmo presos, por motivos diferentes, pela Lava Jato, Joesley Batista e Marcelo Odebrecht seguem com a palavra tendo valor e merecendo destaque nos noticiários, nos conteúdos das redes sociais e entre os investigadores da força-tarefa da Lava Jato. A palavra de Cunha caiu no descrédito por não ter uma prova concreta do que fala. Aliás, ele não fala. Manda recados. E não é por outro motivo que a delação dele não foi aceita pela Justiça Federal. Mas será que Cunha não tem provas do que fala? Um bom número de investigadores da Polícia Federal (PF) não acredita nisso. O argumento deles é o seguinte: vários delatores falaram que o ex-deputado controlava uma bancada de uns 100 parlamentares. Pelo que foi apurado até aqui, ele controlava mesmo um razoável número de parlamentares. Mais ainda: há provas nos processos em andamento da Lava Jato que pelas mãos dele passaram milhões de dólares e reais. Como é que ele controlava o fluxo de todo esse dinheiro? O raciocínio é lógico: existia uma contabilidade para saber quem tinha pagado e quem tinha recebido. Onde está esse controle? Pelo visto, só Cunha e quem operava a contabilidade sabem.
Até agora, os investigadores da Lava Jato esmiuçaram a vida do ex-parlamentar e não encontraram a contabilidade dele. A da Odebrecht só foi encontrada porque uma secretária resolveu falar. As pessoas que trabalhavam com o ex-deputado pouco ou nada falaram de relevante para a PF, que se tenha conhecimento. Aqui, gostaria de refletir com os meus colegas. Vale a pena investigar, em uma boa conversa com os trabalhadores que ajudavam o deputado, incluindo até aqueles que desempenhavam funções menores, como faxineiros. Nós temos que esclarecer ao nosso leitor como Cunha controlava o império da corrupção dele. Aliás, fomos nós que vendemos aos nossos leitores a imagem de que ele era um cara poderoso, articulado e metódico. Pessoas com esse perfil costumam ter arquivos. O auge da fama dele foi quando se aliou ao grupo político do Temer e se tornou a peça-chave na conspiração que resultou no impeachment da então presidente da República Dilma Rousseff (PT – RS), em 2016. Ela foi substituída pelo seu vice, Temer.
Fato é que, hoje, Temer é presidente da República, e Cunha um presidiário e ex-deputado. É há outros processos tramitando contra ele. Nos últimos dias, o ex-deputado tem defendido Temer das acusações feitas por Joesley Batista. Por que ele se tornou defensor do presidente da República? Pouco interessa para a imprensa e os investigadores da Lava Jato. A palavra dele não tem valor. Ele só irá recuperar destaque na imprensa, nas redes sociais e na Lava Jato no dia em que apresentar a contabilidade da distribuição da propina e do recebimento dos subornos. Até lá, tudo que é falado pelo ex-deputado cai na vala do blefe.