Até para os mais experientes repórteres é difícil entender. Por que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) continua tentando boicotar o seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que adotou a estratégia do isolamento social, o Fica em Casa, para frear a expansão do coronavírus no território nacional, a pandemia que até esta quarta-feira (1º/4) já havia infectado 6.836 pessoas e causado 241 mortes no país. Enquanto isso, as imagens dos caixões de brasileiros mortos pelos vírus que estão nas capas dos jornais e nos noticiários de TV tornaram o assunto pessoal para cada família. A presença dos caixões nos noticiários envolve a comunidade. Lembro que na década de 70 havia uma discussão nas faculdades de jornalismo sobre a influência que teve na opinião pública dos Estados Unidos as imagens dos caixões dos soldados mortos no Vietnã que eram mostradas na TV. Essas imagens reforçaram os movimentos pacifistas que resultaram na retirada das tropas da Guerra do Vietnã, uma carnificina que acabou em 1975 com um saldo de 58 mil soldados americanos mortos, além de milhões de civis e militares vietnamitas.
Os americanos perderam essa guerra. A história da influência da TV no conflito do Vietnã voltou a ser assunto entre os jornalistas na Guerra do Golfo de 2003, que aconteceu depois dos atentados terroristas às Torres Gêmeas, em Nova York, em 11 de setembro de 2001. Na cobertura do Vietnã, a imprensa trabalhava livremente nas regiões de combates. Na Guerra do Golfo, a movimentação dos jornalistas foi controlada pelo militares americanos. Mais de 90% do conteúdo dos noticiários foi a versão dos comandantes das tropas. Tanto que só depois foi descoberto que o Iraque não tinha armas de destruição em massa, como fora alegado para justificar a invasão do país. Claro, os repórteres fotográficos adoram repetir que “uma imagem vale mais que mil palavras”. O que aconteceu no Vietnã mostra que eles têm razão. Pergunto: o que influenciou o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a voltar a se decidir pelo aprofundamento do isolamento social? Podem acreditar que as imagens dos corpos de americanos sendo carregados por máquinas empilhadeiras para câmaras frigoríficas e os caixões sendo retirados dos hospitais tiveram influência.
O caixão dá um rosto para o drama. Dentro desse contexto fica difícil entender a estratégia de Bolsonaro em relação a seu ministro Mandetta. Ontem (1º/04) ele postou nas suas redes um vídeo da Ceasa de Minas Gerais vazia e fez comentários contrários ao isolamento social. A imagem era falsa, e ele retirou o vídeo das redes. Isso depois de, na noite anterior, fazer um pronunciamento sobre o combate ao coronavírus que foi descrito como moderado. Não falou mal do isolamento social. Mas também não falou bem. Mais ainda: a entrevista coletiva que era dada todos os dias por Mandetta e seus técnicos para informar sobre o andamento do combate ao vírus mudou de formato. Agora é coordenada pelo ministro-chefe da Casa Civil, general Walter Braga Netto, e tem a presença de outros ministros e técnicos do governo. A ideia é dar um quadro completo do que o governo está fazendo. E, no final, Mandetta faz a sua conversa com a imprensa. Duas coisas: o nosso leitor está interessando no que o ministro da Saúde tem a dizer. E nós repórteres em saber logo o conteúdo da conversa para colocarmos nos noticiários. O resto é o resto.
O grupo político de Bolsonaro não vai descansar enquanto não derrubar ou neutralizar o ministro Mandetta. Eles estão obcecados por essa ideia. Tanto que não se deram conta que os caixões com os mortos pelo vírus estão nas capas dos jornais e nos noticiários de TV. Simplificando o que está acontecendo: o ministro da Saúde é o cara que tenta impedir que o próximo corpo a estar dentro do caixão seja o do telespectador ou de um parente seu. O presidente Bolsonaro está preocupado com o emprego. A situação é como se Bolsonaro fosse presidente de um país e Mandetta, o ministro da Saúde de outro. Uma situação engraçada, se não fosse trágica.