O Palácio Piratini entrou para a história do Brasil em 1961. O então presidente da República, Jânio Quatros, renunciou ao governo, após sete meses no cargo, alegando estar sendo pressionado por “forças ocultas”. Era conhecido como o “Homem da Vassoura”, por ter feito a sua campanha dizendo que iria varrer a corrupção do país. Pela Constituição, o seu cargo deveria ser ocupado pelo vice, o gaúcho João Goulart, o Jango, do antigo PTB. Na ocasião da renúncia, Jango (1976) estava visitando à China. As Forças Armadas, aliadas com empresários e com o apoio dos Estados Unidos, não queriam que Jango assumisse, por ele ser comprometido com as reformas de base, tipo distribuição de terras. O seu cunhado, o então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola (falecido em 2004), entrincheirou-se no Palácio Piratini, que estava guarnecido por tropas da Brigada Militar (BM) e civis. Ali funcionou, durante 14 dias, o núcleo de comando da Rede da Legalidade, que tinha como objetivo garantir a posse do vice-presidente. Jango voltou e foi empossado no cargo. Três anos depois, em 1964, mais articuladas, as Forças Armadas derrubaram Jango com um golpe militar e instalaram uma ditadura que durou até 1985. Jango, Brizola e outros foram viver no exílio, no Uruguai.
Por muitos anos, foi consenso entre os historiadores e a população que, se em 1964 tivesse sido repetido o Movimento da Legalidade, havia uma boa chance de o golpe fracassar. Na mente da população, ficou a imagem das tropas da BM, armadas até os dentes, protegendo o Piratini. Essa imagem sobrevive até os dias de hoje. E os ideais dos golpistas de 64 também sobreviveram à democratização do país. E agora são personificados pelo candidato a presidente da República Jair Bolsonaro (PSL – RJ), que lidera as pesquisas de intenção de voto na disputa do segundo turno das eleições na disputa com Fernando Haddad (PT – SP). Bolsonaro não é um símbolo de 64 por ser capitão da reserva do Exército. Na ocasião, ele tinha apenas nove anos e era um menino no interior de São Paulo. Mas por ter, ao longo de 28 anos como parlamentar, defendido as ilegalidades cometidas pelos golpistas contra a população, como as torturas feitas pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (falecido em 2015). Os comandados de Ustra torturaram, mataram e fizeram desaparecer dezenas de brasileiros – há uma enormidade de material disponível na internet.
Entre as vítimas de Ustra. existem vários políticos do MDB. Justamente o partido do atual governador do Estado que tenta a reeleição, José Ivo Sartori Sem piscar, como se fala na gíria dos repórteres, Sartori declarou o seu apoio a Bolsonaro, o homem que defende Ustra e o macabro legado de 64. Como repórter, eu entrevistei várias vezes o governador. Lembro-me dele na época das ocupações de terra pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ele então um jovem deputado estadual que tinha um discurso forte contra os golpistas de 64. Hoje, aos 70 anos, Sartori mudou para sobreviver politicamente. E não teve constrangimento de se aliar à história de Bolsonaro. O concorrente dele, Eduardo Leite (PSDB – RS), ex-prefeito de Pelotas (2013 a 2017), também se aliou a Bolsonaro. O ex-prefeito nasceu justamente no ano em que terminou a ditadura, 1985. Mas muitos de seus companheiros de partido, que na época eram do MDB, foram torturados, estão desaparecidos e foram exilados, entre eles o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, um dos fundadores do PSDB. Leite é líder das pesquisas de intenção de voto para governador do Estado. Ele aliou-se a Bolsonaro para não deixar o campo livre para o seu adversário.
Seja Sartori ou Leite o eleito, o fato é que vão viver no Palácio Piratini, onde a história do golpe começou no Brasil. O apoio a Bolsonaro é um assunto entre os dois candidatos e os seus eleitores. Para nós, repórteres, principalmente os jovens que estão começando na profissão, existe uma boa e curiosa história para contar sobre o Piratini, a Rede da Legalidade, e o seu inquilino que se aliou ao antigo inimigo para chegar ao cargo. Há muitas lendas sobre o Piratini, duas que são as mais populares: a primeira é sobre a existência de túneis secretos que ligam a prédio a vários pontos da cidade. Eles existiram mesmo. Eu fiz matéria sobre o assunto nos anos 80. A outra lenda é sobre fantasmas que andam pela noite dentro do Piratini. Essa é lenda mesmo. A título de brincadeira. Se existe fantasmas no Piratini, é certo que o de Leonel Brizola e os de seus companheiros da Rede da Legalidade vão atormentar o inquilino do Palácio. É boa e curiosa história para contar, como disse.