Olhando a conjuntura política nacional, parece que existem dois Brasis. Um é o do grupo político do presidente da República, Michel Temer (PMDB – SP), que conseguiu descolar o seu governo do envolvimento com crimes apurados pela força-tarefa da Operação Lava Jato. E se tornar o governo que luta para viabilizar reformas nas leis trabalhistas e no sistema de Previdência Social vendidas para a população como fundamentais para o Brasil voltar aos trilhos do desenvolvimento e acabar com o desemprego que já atinge 14 milhões de pessoas – um pouco menos que soma dos habitantes do Paraguai e Bolívia. Se Temer aprovar as reformas, ele entra na história do Brasil como presidente reformista, independentemente do resultado econômico que elas derem.
Outro Brasil é o do grupo político do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT – SP). Onde o Lula está prestes a ser julgado pelo juiz federal Sérgio Moro, no processo em que é apontado de ter recebido como propina da empreiteira OAS um apartamento triplex, em Guarujá, no litoral paulista. Enquanto ele se defende no processo, sua candidatura a presidência da República de 2018 está na ponta das pesquisas de preferência dos eleitores. Se for condenado por Moro, será em primeira instância e poderá recorrer. Se o recurso mantiver a condenação de Moro e acontecer enquanto se desenvolve a corrida presidencial, Lula ficará inelegível e irá para a cadeia. Entrará na história do Brasil como o primeiro operário que ocupou, por dois mandatos (2003 a 2011), na presidência da República e, caso condenado, será o primeiro ex-presidente a cumprir pena de prisão, por ter recebido um triplex como propina da OAS.
Frente a essa descrição, parece que estamos tratando de dois países diferentes. Mas não. É o mesmo país. Aqui, quero compartilhar com os meus colegas repórteres, principalmente os novatos, um macete que aprendi no exercício da profissão. Sempre que desembarcava em um dos rincões brasileiros para fazer cobertura de um conflito que acontecia, tendo como pano de fundo uma conjuntura confusa, eu me comportava como um repórter estrangeiro que estava chegando em uma realidade totalmente estranha e que precisava compreender para explicar aos seus leitores. O grupo político do Temer e de Lula se unem em 2010 para concorrer à eleição da presidência da República. Elege Dilma Rousseff (PT – RS) presidente e Temer, seu vice. E reelegem a chapa em 2014.
Em 2015, os dois grupos rompem os seus laços políticos. E se confrontam em duas frentes de batalha: uma nas ruas, mobilizando seus militantes. E a outra aconteceu nos plenários do Senado e da Câmara dos Deputados. Temer venceu e assumiu a presidência da República após uma bem sucedida conspiração que resultou no impeachment de Dilma, no ano passado, quando ela foi acusada de ter feito empréstimos ilegais nos bancos oficiais para cobrir o rombo do caixa do governo federal, as Pedaladas Fiscais. Foi fundamental para o sucesso de Temer a sua união com outros dois grupos políticos: do então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB – RJ), que com as suas pautas-bomba (votação de projetos que traziam imensos gastos para o governo) deu o tiro de misericórdia na já combalida economia do governo de Dilma. Cunha foi cassado e condenado pelo juiz Moro na Operação Lava Jato e, atualmente, cumpre pena na Região Metropolitana de Curitiba (PR). E o grupo do senador Renan Calheiros (PMDB – AL), que na época era presidente do Senado e conseguiu os votos necessários para aprovar o impeachment. A aliança de Calheiros com Temer acontece no final do processo de impeachment. No início, ele era aliado do Lula. Trocou de lado para sobreviver.
Hoje, os laços políticos entre o grupo de Lula é Temer estão rompidos. Mas os dois blocos permanecem unidos pelas investigações da força-tarefa da Lava Jato, que é coordenada pelo procurador da República Deltan Dallagnol. Foi apurado que o presidente Temer, oito de seus ministros e mais 60 parlamentares – senadores e deputados federais – da sua base aliada estão envolvidos com recebimento de propina de empreiteiras. A diferença entre os dois grupos, hoje, é que o de Temer tem foro privilegiado – os processos correm no Supremo Tribunal Federal (STF). que é mais lento que a Justiça Federal de primeira instância. E Lula e Dilma, por não terem foro privilegiado, respondem na primeira instância. No próximo mês, o Superior Tribunal Eleitoral (STE) deve julgar, por caixa dois, a chapa Dilma-Temer. Mas a possibilidade que o julgamento seja concluído antes do término do mandado de Temer é pequena. Resta o fato: o grupo político do presidente da República está envolvido com recebimento de propina, caixa dois e outros crimes. E está no comando das reformas na economia, que irão mexer com a vida de todos os brasileiros. A pergunta: eles estão a serviço de quem?