Com a diferença de algumas horas, na sexta-feira (08/10) foram anunciados os nomes dos dois jornalistas ganhadores do Prêmio Nobel da Paz e que o Brasil havia atingido a marca de 600 mil mortos pela pandemia da Covid-19. Esse é o assunto que vou conversar com os colegas, em especial os jovens que estão começando a caminhada na profissão. Vamos aos fatos, como diziam os editores das antigas redações, onde se ouvia o som cadenciado das máquinas de escrever e no ar pairava uma nuvem baixa da fumaça dos cigarros. O Nobel foi uma homenagem a dois jornalistas que lutam contra o autoritarismo dos governos de seus países, denunciando-os em suas reportagens: Maria Ressa, 58 anos, filipina, do Rappler, um site de notícias, e o russo Dmitry Muratov, 59 anos, editor-chefe do jornal Novaya Gazeta. Tanto o presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, como o da Rússia, Vladimir Putin, costumam mandar prender e até dar sumiço em quem escreve contra eles – há matérias na internet.
O Nobel da Paz é uma homenagem ao jornalismo de resistência praticado por Ressa e Muratov. E a homenagem se estende a todos os cantos do mundo onde houver um repórter praticando um jornalismo comprometido com os interesses da população contra um governo autoritário. Hoje há uma onda de governos gestados em movimentos da extrema direita violenta e racistas que tentam destruir a liberdade de imprensa para impor a sua versão dos fatos como a única verdade. Quem imaginaria que tal coisa aconteceria nos Estados Unidos. Mas aconteceu no governo de Donald Trump, 75 anos (republicano), que governou o país de 2017 a 2021 e tentou de todas as maneiras conhecidas destruir a imprensa, usando uma bem lubrificada e competente máquina de disparar fake news. E no Brasil foi eleito um seguidor do Trump, o presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido). O presidente brasileiro transformou em política de governo o seu negacionismo em relação ao poder de contágio e letalidade da Covid-19. Essa política é responsável pelo menos por 300 mil dos 600 mortos pelo vírus, segundo avaliação de cientistas, entre eles os da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). E por cenas que jamais serão esquecidas pelos brasileiros, como a morte de pacientes nos hospitais de Manaus (AM) e no interior do Pará asfixiados por falta de oxigênio hospitalar. Toda a responsabilidade do governo federal nos estragos causados pela pandemia no Brasil deve ser detalhada em um relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 do Senado, a CPI da Covid, que deverá ser publicado na semana final de outubro.
A Covid não causou maiores estragos no Brasil graças ao bom jornalismo comprometido com os interesses da população que a imprensa tradicional, blogueiros e outras plataformas de comunicação praticaram. Tenho 71 anos e 40 e tantos na lida de repórter e não lembro de ter vivido na profissão o que acontece hoje, quando há uma espécie de unanimidade entre os jornalistas sobre a importância de ser relevante para o leitor. Tivemos colegas que foram atacados pelas milícias digitais a serviço dos bolsonaristas, como Patrícia Campos Mello, da Folha – há matéria na internet. Tenho escrito e dito nas minhas palestras pelas redações do interior do Brasil que apesar de toda a limitação que as redações enfrentam nos dias atuais, como baixos salários e repórteres fazendo três a quatro pautas diárias, no geral a cobertura está boa. Sem o trabalho da imprensa, os movimentos totalitários teriam uma chance de triunfar. Isso já aconteceu nos anos 30 na Alemanha, com Adolf Hitler, e na Itália, com Benito Mussolini. Essa situação resultou na Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945), que deixou no seu rastro 85 milhões de mortos e símbolos do horror como os campos de concentração da Alemanha. Para quem estuda os dias atuais é uma boa leitura os relatórios do julgamento de Nuremberg, onde os Aliados condenaram os criminosos de guerra e ouviram o depoimento de pessoas comuns para tentar entender como se deixaram fascinar pelo nazismo.
Para arrematar a nossa conversa. O fato do Nobel da Paz ter sido dado para os jornalistas Ressa e Muratov sinaliza para os jovens colegas que começaram há pouco tempo na lida reporteira que eles estão trilhando o caminho correto. Por quê? Houve um tempo na nossa profissão que quem não conseguisse vaga na redação de uma grande empresa de comunicação não era nem considerado jornalista. Há uma década essas empresas começar a enxugar os seus custos demitindo repórteres em massa. Na ocasião se questionava se era necessária a existência de tantas faculdades para formar jornalistas que não teriam onde trabalhar. Mas o fato das empresas encolherem não significou que os leitores não estivessem interessados em ter acesso a informações. A realidade mostrou isso no decorrer do tempo, quando, graças às novas tecnologias, os espaços deixados pelas grandes empresas foram preenchidos por sites, blogs e outras plataformas de notícias, que passaram a publicar informações relevantes aos leitores. Não é por outro motivo que as grandes empresas de comunicação abriram fogo pesado contra os blogueiros e os sites de notícia, acusando-os de safados. Como se tivesse o monopólio da verdade. É sinal dos novos tempos o fato de uma das premiadas com o Nobel da Paz, a jornalista felipina Ressa, ser do Rappler, um site de notícias. Fazer o bom jornalismo é uma opção pessoal do repórter que ele pratica onde estiver trabalhando. Foi sempre assim.