Os “Guardiões do Crivella” não representam a comunidade evangélica do Rio

Na esquerda um dos guardiões do Crivella atrapalhando a entrevista do repórter. Foto: Reprodução.

Precisamos ligar os assuntos para melhor explicar aos nossos leitores o ataque criminoso contra os jornalistas que faziam cobertura para a Rede Globo das questões de saúde pública na cidade do Rio de Janeiro, administrada pelo prefeito Marcelo Crivella, 63 anos. O episódio ficou conhecido na opinião pública como “Guardiões do Crivella” – há vasto material na internet. A raiz do que aconteceu está nos anos 70. Foi lá que começamos a tratar os vários grupos que compõem a comunidade evangélica como se fossem todos a mesma coisa. Não são. Vamos aos fatos, como diziam os editores nos tempos do barulho cadenciado das máquinas de escrever.

O prefeito Crivella não representa a comunidade evangélica do Rio de Janeiro, muito menos a do Brasil. Ele é bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, que é neopentecostal e foi criada pelo seu tio, Edir Macedo, 75 anos, um homem que sempre se perfilou ao lado do poder – a sua trajetória é descrita em livros, documentários e muitas reportagens. Nós começamos a tratar os evangélicos como se fossem todos iguais com o advento dos neopentecostais, também conhecida como a Terceira Onda do Pentecostalismo. Eles são uma dissidência sectária das igrejas evangélicas tradicionais. E se estabeleceram nos anos 70 no Brasil. Era o auge da Guerra Fria entre os Estados Unidos, capitalistas, e a então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, comunista. Apoiados pelos americanos, a maioria dos países da América do Sul era governada por ditaduras militares. O Brasil vivia o período mais violento do governo militar que se havia se estabelecido em 1964 e durou até 1985. Assim que os neopentecostais começaram a montar as suas igrejas pelas periferias das grandes cidades e nos sertões esquecidos do país espalhou-se entre os jornalistas a história de que eles eram uma invenção do serviço de inteligência dos Estados Unidos, a CIA, para enfrentar os padres e pastores (das igrejas evangélicas tradicionais) e outros religiosos comprometidos com as lutas populares – reforma agrária, saúde para todos, habitação, educação e outros assuntos.

Fiz muitas reportagens sobre os neopentecostais no início dos anos 80 e li tudo o que havia sido publicado na época sobre o assunto. Lembro que a maioria das igrejinhas na periferia e nos sertões eram casebres. E os pastores, grande parte deles, pessoas de pouco conhecimento. Recordo de assistir a muitos deles pedir ajuda na leitura da Bíblia. Nunca tiramos a limpo a história da CIA. O fato é que eles se tornaram muito populares entre as populações miseráveis devido às curas milagrosas que prometiam e a maneira como faziam os rituais religiosos – com cantos e danças. No final dos anos 70, os pastores que conheci com suas igrejinhas desapareceram. Em seu lugar surgiram grandes organizações religiosas, como a Universal, que é ligada a uma rede de comunicações, no caso a Record. Os pastores que passaram a atuar nas redes de rádios, TVs e outras plataformas de comunicação foram rotulados como evangélicos nas nossas reportagens, principalmente nos títulos das matérias, e tratados como se todos fossem a mesma coisa. Isso facilitou a vida de homens como Edir Macedo, porque na opinião pública foi criada a ideia de que ele falava por todos os evangélicos. O mesmo aconteceu com a Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional. Mas Macedo e a bancada evangélica falam por eles, apenas. Não por todos os evangélicos. Aconselho os jovens repórteres a darem uma olhada no site da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito.

Aqui entra na nossa conversa a questão da disputa política. O prefeito Crivella é um braço político de Edir Macedo. A sua administração tem sido um conflito permanente com a Globo. Faz parte do jogo. A eleição de Jair Bolsonaro (sem partido) para a Presidência da República criou para o grupo de Macedo uma oportunidade política e comercial. A política pela linha conservadora do presidente. E a comercial pelos anúncios publicitários do governo federal. Aqui é o seguinte. É do jogo a disputa entre as empresas de comunicação pela publicidade estatal. Não é do jogo o prefeito do Rio misturar religião, política e disputa comercial. Ajudamos o nosso leitor a entender a situação avisando que Crivella não fala pela comunidade evangélica. Fala por ele e pelos seus aliados.

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