Os movimentos sociais são um esteio da democracia no Brasil. Não um inimigo.

Velha imprensa não cobre movimentos populares, apenas criminaliza-os (Foto: MST).

Nos dias seguintes à condenação do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP) por três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre, os noticiários dos grandes jornais (incluindo sites, TVs a cabo e emissoras de rádio) foram inundados por informações de que os movimentos sociais iriam incendiar o país com greves, ocupações urbanas e rurais e outras formas de protesto. A maior parte dessas notícias é um amontoado de bobagens enfiado garganta abaixo dos leitores por colegas que não sabem como funcionam os movimentos sociais.

Isso acontece porque não há, nas redações, repórteres especializados em movimentos sociais, que são aqueles caras com conhecimento para avaliar se a declaração de um líder é um blefe ou se ele sabe do que está falando e, portanto, merece ser levado a sério. Blefar faz parte do jogo político. Dar ao leitor a exata dimensão do blefe é a obrigação do jornalista. Por exemplo, os jornais têm gente especializada na área de economia que barram a publicação de blefes – são muitos – e, assim, impedem prejuízos ao mercado.

Hoje, graças à abundância de cursos especializados nas universidades e institutos, existe nas redações dos grandes grupos de mídia  jornalistas especializados em uma variada gama de assuntos do interesse do leitor. Menos em movimentos populares. E por que motivo que isso acontece?

Antes de responder a essa pergunta, vou separar o joio do trigo. Vamos tirar de lado a sacanagem da criminalização dos movimentos popular consolidada na opinião pública por uma parte significativa dos comentaristas políticos. Muitos fizeram isso por ideologia. Mas a maioria o fez por falta de conhecimento.

Vou falar apenas de jornalismo sério. É o seguinte: vai escrever bobagem quem acreditar que a força dos movimentos sociais reside nas ocupações – urbanas e rurais –, no trancamento de trânsito de veículos e no enfrentamento com policiais militares. Os movimentos sociais são muito mais do que isso.

Vamos voltar no tempo e falar um pouco de História. Na Guerra do Contestado (1914-1916), camponeses lutaram por seus direitos e foram reprimidos pelas autoridades na divisa de Santa Catarina com o Paraná. Em Quilombo dos Palmares (1630-1650), escravos fugitivos montaram uma comunidade na Serra da Barriga (AL) antes de serem massacrados pelos escravocratas, que, no entanto, não conseguiram apagar o nome do seu líder, Zumbi. Na Índia, Mahatma Gandhi (1869-1948) foi um líder pacifista que conseguiu unir muçulmanos e hindus contra os ingleses que governavam o país. Nos Estados Unidos, Martin Luther King, um pastor protestante e ativista dos direitos civis dos negros nos anos 60, dobrou a elite branca americana lutando de maneira pacifica.

Voltando ao Brasil dos dias atuais, podemos concluir que Zumbi, Gandhi e King correriam o risco de serem chamados de arruaceiros nos noticiários. No entanto, o cimento que unia essas três grandes personalidades a suas comunidades é o mesmo que une os movimentos sociais na atualidade brasileira.

Foi durante o regime militar (1964 -1985) que os pioneiros dos atuais movimentos sociais foram gerados. Eram as chamadas Comunidades Eclesiais de Base (Cebs), operadas por religiosos ligados às alas progressistas da Igreja Católica. Ali foram formadas as lideranças populares, empresariais e religiosas que montaram movimentos que têm forte influência no nosso modo de vida – há material disponível na internet sobre o assunto.

Aqui quero deixar claro o seguinte: os movimentos sociais nunca foram braços dos partidos. Sempre atuaram na sua faixa própria e fizeram suas alianças políticas segundo as suas conveniências. Entender como isso acontece é fundamental para dar a informação correta ao leitor. Todas essas afirmações que estou fazendo são lastreadas no conhecimento de causa que tenho. Afinal, foram 40 anos de reportagem, a maior parte deles dedicados à cobertura das lutas populares.

Como os movimentos sociais funcionam e quem é quem no meio não é um conhecimento disponível em cursos acadêmicos ou de especialização. Mas não quer dizer que o repórter não tem como descobrir. Um dos caminhos a seguir é conversar com professores de universidades que militam nesses movimentos. Além de terem um conhecimento cientifico, eles também sabem como a coisa toda funciona na prática.

Essa é a porta de entrada. A conversa com as lideranças tem de ser do tipo “papo reto”. O repórter tem que deixar claro que não está ali por amizade/inimizade ou simpatia/antipatia ideológica. Mas para informar corretamente a seu leitor sobre os acontecimentos. Uma atitude que interessa aos movimentos, ao leitor e ao bom jornalismo.

 

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