Até agora, a força-tarefa da Operação Lava Jato ouviu apenas um lado da história da corrupção no Brasil: as sacanagens dos empreiteiros superfaturando obras públicas, dando propina para parlamentares, ministros, governadores, presidentes da República e marqueteiros. Se for concretizada a delação premiada de Antonio Palocci. outro lado da história da corrupção no país será contado. E a história da política brasileira será reescrita.
Palocci tem o dom de saber contar uma história. Fala de maneira arrastada e como se fosse um professor frente a uma turma de alunos. Às vezes, coloca um charme na conversa, deixando escapar o sotaque caipira do interior de São Paulo. Ele tem inimigos poderosos dentro de seu partido, o PT. O ex-presidente Lula o descreve como uma pessoa “muito inteligente”. Ele é muito mais do que isso. Palocci é uma das pessoas mais bem informadas sobre como esse país funciona. Basta ver seu currículo. Aos 56 anos, formado em medicina, Palocci foi um dos fundadores do PT. Foi prefeito de Ribeirão Preto, importante cidade do interior de São Paulo, e deputado federal, figura central da campanha política do ex-presidente Lula e seu ministro da Fazenda e ministro-chefe da Casa Civil, da então presidente Dilma.
Atualmente, Palocci está cumprindo prisão preventiva, decretada pelo juiz federal Sérgio Moro, em Curitiba (PR). Ele contratou advogado especializado em negociar delação premiada. Se houver o acerto, Palocci poderá lançar luzes sobre pontos escuros da Lava Jato, como a relação comercial do governo federal com as grandes e pequenas empresas de comunicação. Aqui, eu quero sugerir aos jovens repórteres a leitura de um livro: “Cobras Criadas”, de Luiz Maklouf Carvalho, magnifico trabalho que conta a história do jornalista David Nasser, da extinta revista Cruzeiro, e um pouco do cotidiano do magnata da imprensa nos anos 50, Assis Chateubriand, tendo como um dos panos de fundo o governo do Getúlio Vargas. Recentemente, Emílio Odebrecht, ex-presidente da empreiteira, frente à enxurrada de denúncias nos noticiários do país sobre a corrupção de parlamentares, falou que a imprensa brasileira já sabia o que acontecia havia uns 30 anos. Ele tem razão. E Palocci terá a oportunidade de esclarecer, pelo menos durante o governo Lula, se houve alguma ação governamental para impedir que os jornais fossem a fundo na corrupção de parlamentares por empreiteiros.
Outro ponto que Palocci poderá esclarecer é como os órgãos de fiscalização do Ministério da Fazenda – Receita Federal e Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) – não detectaram a avalanche de dinheiro público que estava sendo desviado das obras para alimentar a máquina de corrupção. Os relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU), aos quais ele tinha acesso, alguma vez mencionaram o superfaturamento das obras públicas? E sobre a Petrobras, onde se concentrava o maior número de safados por metro quadrado, como está sendo demonstrada nas investigações da Lava Jato: ele teve acesso a algum relatório das empresas de auditoria e dos auditores internos da estatal que tratasse do assunto?
Há outros assuntos: o sistema financeiro, as indústrias automobilísticas e o Poder Judiciário. Até agora, na Lava Jato, só apareceram empreiteiros corruptores. É necessário esclarecer o papel do sistema financeiro nessa questão. E também se tiveram participação na corrupção de parlamentares e autoridades governamentais as fábricas de carros, maquinário agrícola e equipamentos rodoviários pesados. Em todas as delações premiadas que vi, ouvi e li, não lembro de interrogadores da Lava Jato perguntarem para os empreiteiros se a máquina de corrupção que montaram havia chegado ao Poder Judiciário e à Polícia Federal (PF). Palocci poderá ajudar a esclarecer.
Se há uma pessoa que pode ajudar a esclarecer o que ainda não foi esclarecido na Lava Jato é Antonio Palocci, inclusive o caso do prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT), torturado e morto há 15 anos. Hoje, as investigações da força-tarefa da Lava Jato estão focadas nos empreiteiros e na busca de provas contra o ex-presidente Lula. Se Palocci falar, vai mostrar que o rolo é bem maior. O ex-ministro pode ser o Cavalo de Troia da Lava Jato.