Em outros anos, com ou sem crise econômica, no mês de dezembro centenas de velhos, barrigudos e barbudos se vestiam de Papai Noel e trabalhavam nas lojas de varejo do Brasil. Desde o mais modesto comércio até as grandes redes, lá estavam eles, sentados em um trono e conversando com a criançada. A pandemia causada pela Covid-19 desempregou o Papai Noel. Para conversar sobre isso, tive o cuidado de antes ler, ver e ouvir o que estamos publicado a respeito nos jornais (papel e site), rádios, TVs e outras plataformas de mídia. Encontrei uma frase aqui, um parágrafo lá e assim por diante. Nós não estamos dando ao assunto a sua devida dimensão história. Não sei como foi o fim de ano durante a Gripe Espanhola, uma pandemia que se iniciou em janeiro de 1918 e se prolongou até 1920. Mas nos últimos 100 anos, um século, é a primeira vez que um vírus acaba com as festas de fim de ano ao redor do mundo. Não é pouco coisa. Existem reflexos econômicos, culturais, religiosos e muitos outros na longa lista de hábitos que fazem parte do nosso modo de vida e que estão sendo afetados. Por que considero importante detalhar o momento que estamos vivendo?
A resposta é simples. Os noticiários são a primeira fonte consultada pelos pesquisadores. Agora, imagine uma situação: daqui a uns 200 anos um colega vai escrever sobre 2020, o ano da Covid-19. E vai consultar o que escrevemos sobre o fim do ano, uma data significativa para o nosso modo de vida. Ele vai se aborrecer, porque tratamos o assunto como se fosse normal. Eu tenho vários livros publicados e, sempre que preciso consultar os noticiários de uma determinada época, no final da pesquisa fico me perguntando: “só isso?”. O documento oficial sobre o acontecimento é frio. Traz o essencial. O molho, as coisas curiosas e outros detalhes só são encontrados nos noticiários da época. Para quem não é jornalista: “molho” são acontecimentos periféricos ao fato que ajudam a explicar de uma maneira mais agradável a situação ao leitor. Nada substitui um detalhado noticiário da época para ajudar o pesquisador dar a dimensão exata ao fato.
Antes de seguir contando a história quero chamar a atenção dos meus colegas para o seguinte. Até a proliferação das redes sociais (2005), minha pesquisa ao noticiário da época se restringia aos jornais (papel), rádios e TVs. Hoje a situação mudou. Há um volume enorme de informações circulando nas redes sociais. Muitas dessas informações são úteis para o pesquisador. Mas também há uma casca de banana chamada fake news. No caso da pandemia da Covid, o volume de fake news é enorme. Basta lembrar que o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro (sem partido), é negacionista do vírus. E por conta disso mentiras circulam nas redes sociais travestidas de verdade, como é o caso da droga cloroquina. Bolsonaro diz que ela combate o vírus. Cientistas do mundo inteiro, incluindo os brasileiros, afirmam que ela não faz efeito. O presidente do país mais poderoso do mundo, os Estados Unidos, Donald Trump (republicano), é outro negacionista que usa e abusa de fake news para vender as suas teorias exóticas sobre a doença.
Voltando à história. Eu usei a figura do Papai Noel para chamar a atenção para o assunto que estou contando porque ela é um símbolo. Portanto, tudo que lhe acontecer relacionado à Covid será registrado na história. Por isso, é importante que os acontecimentos desse final de ano sejam contados com veracidade e muitos detalhes. Por conta de um dos focos da minha carreira de repórter ter sido os conflitos agrários (sem-terra, fazendeiros, índios e garimpeiros), passei algumas festas de fim de ano trabalhando pelos rincões do Brasil. Em muitas dessas ocasiões estava hospedado em um hotel de beira de estrada. Nas noites de fim de ano parecia que todo mundo se conhecia de longa data. Uma vez, eu estava no acampamento de sem-terra na Fazenda Annoni, uma área de 9 mil hectares à beira da estrada entre Passo Fundo e Ronda Alta, no interior do Rio Grande do Sul. A área havia sido invadida pelo Movimento dos Agricultores Sem Terra (MST) e as famílias, cerca de 1,5 mil, estavam cercadas por tropas da Brigada Militar (BM). Nas noites do fim de ano havia uma espécie de trégua não oficial.
Papai Noel não o único brasileiro desempregado pelo vírus. A pandemia aprofundou a crise econômica que o país vinha passado e hoje os desempregados somam quase 20 milhões. Também por conta do vírus as Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) estarão cheias de pacientes e pessoal da área médica. Lembram? Em outros finais de ano a maioria dos pacientes era vítimas de tiroteios e acidentes de trânsito. E não podemos esquecer. Pelo menos 170 mil famílias brasileiras vão chorar pelos parentes mortos pelo vírus. Por todo os lados que se olhar essa história, ela é diferente de tudo que já publicamos sobre o fim de ano. Portanto, merece a nossa atenção. É por aí, colegas.