O efeito colateral da volta de Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT), ao jogo político nacional foi a aceleração da decisão do presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) de romper com o Partido Social Liberal (PSL) e avançar na articulação e criação da sua nova agremiação, a Aliança Pelo Brasil. A volta de Lula deu dois grandes argumentos para o presidente atrair parlamentares de outras agremiações: o primeiro é que ele é o único que reúne capital político para disputar uma eleição com o PT – seja ela qual for. O segundo é que o PT perfila-se entre as agremiações mais organizadas ao redor do mundo. A intenção é que o novo partido tenha uma organização e uma capilaridade capaz de disputar votos com o PT em todos os rincões do Brasil. Essa análise foi feita focada apenas no cenário da disputa eleitoral. Deixando de lado as disputas internas entre Bolsonaro e a direção do PSL, que envolvem desde verbas do Fundo Partidário até ciúmes dos filhos do presidente, vamos ao pano de fundo dessa questão, como falavam os antigos repórteres dos tempos das barulhentas máquinas de escrever.
O nosso pano de fundo começa no Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou que os réus só podem ser presos após tramitar todos os recursos. Essa decisão derrubou a prisão logo depois da segunda instância. O ex-presidente Lula foi um dos beneficiados pela sentença. Lula foi condenado em 2017 na Operação Lava Jato pelo então juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal, em Curitiba (PR), por corrupção e lavagem de dinheiro, no caso do apartamento tríplex em Guarujá, no litoral de São Paulo. A sentença de Moro foi confirmada em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre (RS). Lula foi preso e, pela Lei da Ficha Limpa, ficou inelegível. A sentença do STF deu a liberdade ao ex-presidente (ficou preso 580 dias). Mas ele permanece inelegível. Na ocasião que foi preso, Lula era líder das pesquisas de intenção de votos na disputa presidencial, o segundo colocado era o atual presidente Bolsonaro. Moro abandonou uma carreira de 22 anos como juiz para se tornar ministro da Justiça e Segurança Pública do maior rival do ex-presidente: Bolsonaro. No meio do ano, o site The Intercept Brasil começou a publicar conversas feitas no aplicativo Telegram entre Moro e os procuradores da Lava Jato. Conversas que comprometem a imparcialidade do então juiz. Os advogados do ex-presidente estão usando o material do Intercept para pedir a anulação da sentença dada por Moro. Soma de tudo isso: na campanha de 2018 a briga entre Lula e Bolsonaro era mais forte no campo ideológico. Agora entrou a questão pessoal de Lula, que se julga injustiçado por Moro.
Mesmo que o ex-presidente da República não se livre da inelegibilidade, as eleições municipais do próximo ano vão responder à pergunta: quem tem mais prestígio, Lula ou Bolsonaro? Nessa disputa a estrutura partidária é importante, tanto para ter acesso aos recursos econômicos do Fundo Partidário quanto para ter capilaridade e chegar aos eleitores do interior do Brasil. Colegas repórteres, aqui vamos examinar duas hipóteses. Na primeira, o presidente da República consegue montar o seu partido com um número razoável de parlamentares que lhe permita ter influência nas eleições municipais em pequenos, médios e grandes municípios em vários cantos do país. Somado a isso, Bolsonaro consegue fazer a economia decolar e começa a criar empregos para os 13 milhões de desempregados. Nesse caso, os parlamentares que o seguiram embarcaram em uma espécie de Arca de Noé – o barco em que, na narrativa bíblica, Noé salvou do dilúvio pessoas e animais escolhidos por Deus.
Na segunda hipótese, Bolsonaro também forma o seu partido. Mas não consegue fazer a economia decolar e o desemprego continua sendo um dos maiores da história do Brasil. Nesse caso, os parlamentares que o seguiram terão embarcado no Titanic – o maior navio do mundo da sua época que naufragou na sua primeira viagem, em 1912, ao bater em um iceberg. No caso do Titanic, o capitão do navio, Edward Smith, seguindo as caras tradições da marinha mercante, afundou e morreu no naufrágio (no total foram 1,5 mil mortes). Se Bolsonaro for derrotado nas eleições municipais de 2020, ele afunda junto com seu partido? Uma pergunta que só poderá ser respondida em 2022, nas eleições presidenciais. Aqui chamo a atenção dos meus colegas, principalmente os jovens repórteres. As eleições municipais também podem ser a maternidade que irá gerar uma força política de centro. Tudo indica que o destino do país será desenhado na disputa municipal. Não é apenas mais uma eleição municipal. Tem muita coisa envolvida. Podem apostar.