O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, não deu uma entrevista sobre o caso da execução da vereadora Marielle e do seu motorista, Anderson Gomes. Lançou um “balão de ensaio”. Vou explicar a afirmação. Mas antes vamos contextualizar a matéria, como mandam as regras do bom jornalismo. Na terça-feira (19), as redações dos jornais do Brasil viveram horas de tensão à espera da entrevista coletiva do ministro Lewandowski, na qual ele iria revelar quem mandou matar e por que a vereador carioca Marielle Franco (PSOL ), 38 anos, na noite de 14 de março de 2018. A entrevista foi curta e decepcionante para os jornalistas. O ministro resumiu a sua conversa afirmando que a delação premiada feita à Polícia Federal (PF) pelo matador de Marielle e do motorista Anderson, o pistoleiro e miliciano Ronnie Lessa, tinha sido homologada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. E que Lessa revelara o nome de quem o contratou para eliminar a vereadora. Lewandowski disse ainda que não teve acesso à delação, que corre em sigilo. A imprensa caiu de pau em cima do ministro, que foi acusado de ter feito uma encenação para distrair a atenção da fuga inédita, em 14 de fevereiro, do presídio de segurança máxima de Mossoró (RN), dos bandidos Rogério da Silva Mendonça, o Martelo, e Deibson Cabral Nascimento, o Deisinho, ambos ligados à facção criminosa Comando Vermelho (CV). As fugas aconteceram dias depois do ministro ser empossado no cargo. Há pelo menos 600 policiais envolvidos na caçada aos fugitivos.
Feita a contextualização, vamos a nossa conversa. Não vou entrar na discussão sobre a interpretação política da entrevista do ministro. Isso é assunto que vem sendo esmiuçado pelos noticiários diários. Vou falar sobre o “balão de ensaio”. Faz parte da cultura da polícia usar a imprensa para impulsionar a solução de crimes do calibre do assassinato de Marielle. Casos que, usando a gíria das delegacias, já “foram mexidos”, no sentido de terem passado por muitas mãos. Chamam uma entrevista coletiva sobre o caso com uma “pauta quente”, aquela que tem potencial de render manchete de capa. Durante a entrevista ficam soltando fragmentos da investigação que acabam nas páginas dos jornais. O objetivo da polícia é ver como essas informações publicadas nos jornais circulam entre as pessoas que estão sendo investigadas. Como os agentes fazem esse acompanhamento? De duas maneiras: uma é instalar escutas, autorizadas pela Justiça, nos telefones e nas outras formas de comunicação dos suspeitos. Outra é vigiá-los com policiais disfarçados. Lembro-me que, quando comecei no jornalismo, em 1979, chamava-se essa prática de “colocar uma pilha na cabeça da imprensa”, no sentido de sair repetindo uma ideia. Depois evoluiu para “balão de ensaio”. No caso Marielle, tudo indica que os agentes da PF já têm toda a história desenrolada. Mas ainda existem pontos na investigação que podem ser melhor esclarecidos. Para evitar surpresas. Lembro de uma coisa. Foi feito um estardalhaço na imprensa quando o caso migrou para o STF, porque significava que havia gente graúda no meio. Já que só têm direito a fórum privilegiado no STF senadores, deputados federais, ministros e outras autoridades de alto escalão. A imprensa já publicou vários nomes de prováveis mandantes do crime, como o de Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro. Ele negou tudo.
Faz parte do jogo a polícia usar a ignorância da imprensa para fazer avançar as suas investigações. Não é por outro motivo que defendo que os grandes jornais precisam ressuscitar nas redações a figura do repórter especializado na cobertura de assuntos policiais, antigamente conhecido como repórter policial. A principal razão é que eles entendem as entranhas da investigação criminal que, nos últimos anos, devido as novas tecnologias, ficou sofisticada. Um exemplo: se o suspeito estiver usando um celular, mesmo que esteja desligado, os seus deslocamentos pela cidade podem ser rastreados pelas antenas das companhias telefônicas. Os sistemas de vigilância por câmeras de segurança é outra importante fonte de informações para os policiais. Nos dias atuais, a possibilidade de um repórter entrevistar um policial e não entender bulhufas do que ele fala é muito grande. O repórter de polícia não existe mais nas redações. Mas os assuntos policiais seguem sendo manchete nos jornais. Tem alguma coisa errada, né?
Para fechar a nossa conversa. Ninguém duvide que a PF vai resolver o caso porque existe vontade política do governo federal para encontrar quem mandou matar Marielle. A rotina de uma investigação policial no Brasil, e na maioria dos países democráticos, consiste em jogar todos os esforços na solução de um caso nas primeiras semanas. Se a investigação ficar empacada e a imprensa parar de bater à porta da delegacia para saber como anda a investigação, a história começa a sua caminhada rumo à prateleira dos casos insolúveis. A maneira como Lewandowski vem falando transmite a ideia de que o mandante do crime está cercado. E que a polícia só aguarda a melhor oportunidade para dar o bote final e colocá-lo na cadeia. Há exagero por parte do ministro da Justiça? Vá saber. Uma coisa é certa. Se o mandante vem acompanhando a cobertura da imprensa, ele deve estar acreditando que, mais dia menos dia, vai abrir a porta de casa e dar de cara com a Polícia Federal.