Famílias de trabalhadores de baixa renda racionaram a comida na mesa dos filhos para conseguir juntar o dinheiro e pagar o sonho da casa própria. No final, descobriram que tinham caído nas mãos de bandidos travestidos de empresários e que haviam perdido todas as suas economias. Inicialmente, foram descobertas 60 famílias que haviam caído na armadilha e, atualmente, o número de vítimas continua crescendo. Esse drama aconteceu na Região Metropolitana de Porto Alegre e foi contado nas páginas do Diário Gaúcho (DG) pelos repórteres José Luis Costa e Renato Dornelles na reportagem “As casas de papel”. A empresa que deu o calote é a Construtora Martins, dos empresários Jaime Bibiano da Silva, Sidnei Nunes da Silva e David José Nunes Heberle. Na semana passada, eles foram presos preventivamente pela Polícia Civil. Essa é a história. Como esse caso foi parar nas páginas do jornal?
O caminho que essa pauta percorreu até se transformar em uma reportagem nas páginas do DG é interessante, e o seu conhecimento é fundamental para a formação dos jovens repórteres. Antes, umas considerações sobre os jornais populares. O DG pertence à geração de jornais populares que foram ressuscitados pelas empresas em 2000 para atender o segmento de baixa renda. No início, a fórmula desse jornal seguiu a receita dos que circulavam nos anos 60: matérias de polícia, sexo e futebol, brindes e um preço adequado ao bolso do operário. Nos primeiros anos, DG, Extra (Rio de Janeiro) e Super Notícias (Belo Horizonte) vendiam mais exemplares do que os chamados “jornais sérios”. Vamos esmiuçar as razões do sucesso. Ele não foi só pelo preço da capa, pelas notícias picantes, pelos casos policiais e pelo futebol. Acontece que as comunidades de baixa renda do Brasil dos anos 2000 são bem diferentes do que eram na década de 60, quando a maioria da população vivia no meio rural. Hoje é bem maior o nível de renda, escolaridade e organização dos habitantes dessas comunidades. Fui testemunha do início dessa mudança nos anos 80. Na época, vivi durante uma semana na Vila Cruzeiro – um complexo de 35 comunidades, que somam 250 mil pessoas, encravado em Porto Alegre. O que vi e vivi, eu transformei em uma reportagem.
De maneira natural, as comunidades pobres começaram a irrigar os jornais populares com os assuntos que afligiam o seu cotidiano: saúde pública, transporte e saneamento básico. Histórias que não teriam espaço nos chamados “jornais sérios”, por envolver comunidades pequenas, na maioria das vezes moradores de uma rua. Mas, na imprensa popular, a conversa era outra. A começar que os jornais populares dependem da venda avulsa. Ou seja: se não transformarem as histórias dos leitores em reportagem, estão ferrados. Diferentemente dos outros jornais e das publicações que têm carteira de assinantes e podem se dar ao luxo de selecionar o que publicam. Nos anos 70, eu trabalhei em circulação de jornal. Na época, os grandes jornais começavam a profissionalizar a venda de assinaturas, que se revelou um grande negócio para os empresários. A discussão na circulação era a seguinte: em longo prazo, a assinatura iria tirar o poder do repórter, que, até então, tinha na mão a barganha de ter manchete que iria vender o jornal. E afastaria o leitor. Já que o jornal estava vendido, a redação se daria ao luxo de colocar um filtro nas pautas reivindicadas pelo leitor. A história mostrou que os temores do pessoal da circulação estavam certos. E deu no que deu. Uma baita crise aprofundada por causa das novas tecnologias.
A melhor propaganda de um jornal foi, é e sempre será ouvir o seu leitor e transformar a sua história em reportagem. Casas de papel é isso. O DG fez a lição de casa. A minha geração de repórteres sempre olhou para os jornais populares com desconfiança da sua seriedade. A história mostrou que estávamos errados. Nas palestras que tenho feito nas redações dos jornais do interior do Brasil, eu tenho pregado a necessidade de serem convidados os repórteres e editores dos jornais populares para conversar. Eles conhecem o caminho das pedras. É simples assim.
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