Para entender o que irá acontecer daqui para frente na política brasileira, é bom saber o porquê da intenção de fazer delação premiada na Operação Lava Jato de Antonio Palocci, 56 anos, e do silêncio de José Dirceu, 70 anos, conhecido como Zé Dirceu. Os dois personagens, na última década, tiveram uma ação que foi muito além das fronteiras de seu partido, o PT. Ela influenciou o cotidiano dos brasileiros. Os dois foram ministros do governo Lula: Dirceu, da Casa Civil, e Palocci, da Fazenda. No governo Dilma, Palocci ocupou a Casa Civil.
Os dois estão presos na Região Metropolitana de Curitiba (PR). Palocci está há seis meses em prisão preventiva e entrou com uma habeas corpus para sair da cadeia. Zé Dirceu, que já tinha sido condenado no episódio do Mensalão, cumpre uma pena de 31 anos (duas condenações) pela Lava Jato. Ontem, ele foi beneficiado com um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal (STF) para aguarda em liberdade o resultado do recurso da condenação que fez. Na terça-feira ele foi denunciado em outros três crime pelo Ministério Público Federal (MPF). Para encontrar a explicação ao que levou Palocci a estar negociando a delação premiada, e Zé Dirceu a ficar calado, nós vamos começar pelo que há de comum no currículo deles. Os dois são considerados pelos seus companheiros de partido pessoas inteligentes, bem informados, articulados e implacáveis com seus inimigos políticos. Palocci é médico. Zé Dirceu, advogado – teve seu registro cassado. Os dois são ex-parlamentares, sendo que Palocci foi prefeito de Ribeiro Preto, importante cidade do interior de São Paulo.
Vamos para o outro lado da busca, as diferenças entre eles. Começamos pela idade: Zé Dirceu tem 70 anos, Palocci, 56. Olhando os números, a diferença é de 14 anos, não significa nada. Mas, contextualizando os 14 com a história do Brasil, encontra-se uma boa pista do que está acontecendo. Aqui, chamo a atenção dos meus colegas repórteres, principalmente os novatos, para um detalhe que está ausente das avaliações que se encontra sobre esses dois personagens nos noticiários. Pegamos como base o ano de 1964, quando houve o Golpe Militar no Brasil que durou até 1985. Em 1964, Palocci tinha quatro anos. Zé Dirceu, 18, e um ano depois do golpe, ele era líder estudantil em São Paulo. Nos anos seguintes, Zé Dirceu viveu na clandestinidade, fez parte de um grupo de 15 presos políticos que foram trocados pelo embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, que havia sido sequestrado pelo Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), organização de extrema esquerda da época. O livro “Dirceu”, de Otávio Cabral, conta toda a história. Em 1975, ele vivia com o nome falso de Carlos Henrique Gouveia de Mello na cidade de Cruzeiro do Oeste (PR). Três anos depois, Palocci começaria a cursar medicina em Ribeiro Preto. Nos anos seguintes, Palocci se alinharia politicamente à corrente política do movimento estudantil chamado de Liberdade e Luta (Libelu) e, nos anos 80, participaria da fundação do PT.
Zé Dirceu teve sua formação política e atuação no período mais duro do Regime Militar. Palocci começa a aparecer já quando a Ditadura Militar está decadente e os movimentos dos direitos civis começam a ganhar corpo. Na época em que Dirceu viveu na clandestinidade, ser delator ou infiltrado (agente do governo disfarçado de militante) significa ser justiçado – morto. Palocci ouviu falar sobre isso nas mesas de botecos. Conversei longamente com fundadores do PT, cientistas políticos e professores de sociologia sobre o porquê da diferença entre os dois perante a Lava Jato. Em síntese, eu ouvi que os enfrentamentos que aconteceram nos anos 60 formaram uma geração de políticos – distribuídos por várias tendências ideológicas – que têm como sua principal característica a convicção nas suas ideias. A palavra delação, para a cultura política do Dirceu, significa traição. Para a de Palocci, uma oportunidade de negociar uma situação. Só saberemos o que ele está negociando quando se tiver acesso à íntegra da delação, se ela acontecer.