Independentemente do resultado da disputa pela Presidência da República entre o atual presidente, Jair Bolsonaro (PL), que concorre à reeleição, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por falta de consumidores continuarão sendo empilhados estoques de vacinas nos postos de saúde pública do país. E por ser este um momento na vida política do país em que todos prestam atenção aos assuntos que noticiamos, creio ser muito adequado falar sobre o tema das vacinas. É fato que a acumulação de imunizantes nos postos por falta de clientes vem crescendo na última década – matérias na internet. E o motivo que tem sido apontado pelos jornalistas é que a atual geração ainda não tinha convivido com os males que assolaram a vida dos seus pais e avós nas décadas de 50, 60, 70 e 80, como a paralisia infantil, a varíola e outras doenças que deixavam sequelas e matavam. Hoje sabemos que não era só isso. Lembro que foi lá por 2000 que ouvi pela primeira vez alguém falar na redação que existiam movimentos organizados contra as vacinas nos países europeus. Confesso que a notícia entrou por um ouvido e saiu pelo outro, como se diz entre os repórteres quando não damos importância para uma notícia. Por que não dei importância para a notícia?
Respondendo à pergunta. Pelo singelo motivo de acreditar que ninguém em sã consciência seria contra a vacina. A minha crença nas vacinas nasceu da minha trajetória de vida. Nasci nos anos 50 no interior da principal cidade do Vale do Rio Pardo, Santa Cruz do Sul, na colônia alemã do Rio Grande do Sul, em uma família pobre como eram a maioria dos pequenos agricultores naqueles anos. Pelos cinco anos de idade, minha família migrou para Rio Pardo, que fica uns 40 quilômetros ao sul de Santa Cruz. Pelos meus 10 anos, nos mudamos para Encruzilhada do Sul, a cidade de inverno mais rigoroso da região. Lembro que nos invernos caia neve, a água congelava nos canos e as doenças respiratórias matavam muita gente, principalmente crianças pobres. Lembro também do horror das famílias quando aconteciam casos de sarampo. Ou quando “um anjinho”, como as mulheres mais velhas chamavam os bebês, era contaminado pela paralisia infantil. O acesso a médicos, remédios e hospitais era “coisa para rico”. No Lava Pé, na época uma vila da Encruzilhada, onde a minha família morava, as doenças eram curadas por chás caseiros, benzedeiras e alguns médicos caridosos que dedicavam parte do seu tempo para atender aos pobres e distribuíam remédios de amostra grátis que ganhavam dos laboratórios. A distribuição das vacinas pelo posto de saúde mudou a vida de todo mundo, incluindo a minha. A minha geração conseguiu sobreviver graças às vacinas e teve acesso à qualificação profissional graças, na época, à boa qualidade do ensino público e gratuito no primário, segundo grau e na universidade.
Dentro do que relatei, considerei a história do movimento contra as vacinas “coisa de europeus sofrendo de tédio”. Estava errado e cai na real com a eleição de Donald Trump (republicano) para presidente dos Estados Unidos (2017-janeiro de 2021). Ele se elegeu chutando as canelas dos jornalistas, a quem chamava de mentirosos. Espalhando fakenews pelas redes sociais e montando teorias da conspiração. Tudo que até então era considerado politicamente correto, ele detonou. Em 2018, Bolsonaro se elegeu presidente seguindo o receituário de Trump. O presidente brasileiro consolidou a sua imagem de negativista da ciência ao redor do mundo desafiando a pandemia causada pela Covid-19. O ponto alto do negacionismo foi o seu ataque às vacinas. Foi na pandemia que nós jornalistas tivemos uma ideia da grandiosidade do movimento antivacina ao redor do mundo. E descobrimos que o movimento era uma bandeira da extrema direita em todo o mundo, incluindo, claro, o Brasil. Vejam bem. Um dos candidatos que concorre a governador do Rio Grande do Sul, Onyx Lorenzoni (PL), ex-ministro de Bolsonaro, disse que não é vacinado contra a Covid, doença que matou 41 mil gaúchos e 670 mil brasileiros. O próprio presidente da República declarou segredo de Estado sobre se foi ou não vacinado. O fato é o seguinte. Bolsonaro é o primeiro presidente do Brasil que se posicionou contra a vacina. Nós jornalistas temos enfrentado a crise gerada pela posição presidencial argumentando no campo da ciência. E estamos perdendo, basta olhar os estoques de vacinas que continuam se acumulando nos postos de saúde. Frente a essa realidade, nós jornalistas temos que fazermos a seguinte pergunta: “Onde erramos?”
O grande equívoco que a imprensa cometeu no combate às fakenews das vacinas foi discutir com os antivacinas no campo da ciência. Não se trata de ciência e muito menos de política. Trata-se de sacanagem. Eles pregam contra a vacina porque rende manchetes nos jornais. Não estão nem aí para a devastação que estão causando na saúde pública e muito menos para as pessoas que estão morrendo de doenças que já tinham sido varridas do território nacional, como o sarampo. A imprensa precisa ir às comunidades conversar com as famílias sobre os motivos pelos quais não estão levando as crianças para tomar vacina. Nessas comunidades, a palavra do presidente tem muito peso. Não é por outro motivo que Bolsonaro tem dito que prega que todos tenham liberdade de optar por se querem ou não se vacinar. A questão aqui não é essa. Mas as fakenews que ele divulga sobre a eficiência da vacina, como a de quem tomasse viraria jacaré. O certo é que as pregações de Bolsonaro contra a vacina vão ecoar por muitos anos, causando devastação na saúde pública.