O aviso veio do desesperado prefeito de uma pequena cidade agrícola do interior do Rio Grande do Sul. Na segunda-feira (22/02), Jocemar Bardon, prefeito de Boqueirão do Leão, falou na Rádio Gaúcha que havia faltando oxigênio hospitalar para atender os pacientes infectados pela Covid-19 do Hospital Doutor Anuar Elias Aesse, o único na cidade de 7,5 mil habitantes que se orgulha de ser “um pedacinho da Itália” nos meses de abril, quando realiza a Festa da Polenta. O problema do oxigênio foi resolvido e o excesso de pacientes foi distribuído pelos hospitais das cidades vizinhas. Durante a conversa, o prefeito disse que até dezembro só havia aparecido um paciente infectado pelo vírus na cidade. E a proliferação atual está acontecendo porque várias famílias viajaram para o Litoral e levaram a doença para lá. Para evitar o problema, o prefeito disse que vai determinar que as famílias, quando voltarem da praia, permaneçam 15 dias em quarentena dentro de casa. Boqueirão do Leão fica no Vale do Rio Pardo, região povoada por agricultores de classe média, a uns 120 quilômetros, por estradas asfaltadas, da Região Metropolitana de Porto Alegre, onde existe, no município de Canoas, uma fábrica de oxigênio hospitalar. Depois do que aconteceu em Manaus (AM) e no interior do Pará acende-se um alarme na cabeça dos repórteres sempre que ouvem alguém reclamar de falta de oxigênio hospitalar. Claro, eu não sou exceção, e é sobre isso que vamos conversar.
Os números sobre a enorme pressão que o aumento dos casos de Covid está fazendo sobre a estrutura hospitalar em 16 estados está disponibilizado pelo Consórcio da Imprensa da Covid-19. Esses estados são justamente os mais populosos do Brasil, entre eles São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Usando o linguajar do gaúcho, a Covid vem avançando em um “galope de rédeas soltas” – rapidamente. Vasculhei a maioria do material que publicamos – jornais (papel e site), rádios, TVs e outras plataformas sobre o atual consumo brasileiro de oxigênio hospitalar, a capacidade nacional de produção própria e os estoques. Encontrei algumas matérias, a maioria sobre o que aconteceu em Manaus (AM) e no interior do Pará, onde pacientes infectados pelo vírus morreram asfixiados por falta de oxigênio hospitalar. Liguei para vários colegas nas redações para conversar sobre o assunto, entre eles um jovem repórter que virou pauteiro, de quem ouvi o seguinte: “Tá, eu ligo pra quem?”. Eu pensei. Há pouco tempo era só ligar para o Ministério da Saúde e descobrir com a assessoria de imprensa quem cuidava do assunto. Se o técnico encarregado do problema não soubesse toda a informação, ele dava o “caminho das pedras” para consegui-la. Hoje o Ministério da Saúde está mergulhado em uma enorme confusão administrativa. O ministro da Saúde, o general da ativa do Exército Eduardo Pazzuello, encheu a pasta de militares e os funcionários de carreira foram jogados para um canto. Não foi por outro motivo o que aconteceu em Manaus.
Portanto, as informações oficiais do Ministério da Saúde são difíceis de serem acessadas pelo repórter, além de perigosas, por serem imprecisas. Antes de seguir com a história. Um esclarecimento para quem não é jornalista. Pauteiro é o cara na redação que organiza a lista dos assuntos que serão notícia. Seguindo com a história. Antigamente o pauteiro pediria para um repórter auxiliá-lo na busca das informações. Hoje não é possível, porque as redações demitiram em massa e os repórteres estão atulhados de pautas. Para se ter uma ideia precisa sobre o assunto e para bem informar o leitor torna-se necessário ligar para as entidades de classe dos produtores de oxigênio e para as secretarias municipais e estaduais da saúde e rezar para encontrar alguém, de preferência um pesquisador, que tenha uma ideia da abrangência nacional do problema. Considerando as dimensões continentais do Brasil. Organizar essa pauta é uma tarefa gigantesca. Mas as informações sobre o assunto são fundamentais para o nosso leitor. Então, como proceder? Nós repórteres temos duas maneiras de tratar esse assunto. A primeira é se sentar em um boteco, encher a cara e falar mal do editor que fez vistas grossas para a pauta. A segunda, que no meu entendimento é o certo, é nos organizarmos e fazermos a matéria. Vou contar uma historinha (velhos repórteres estradeiros são cheios de histórias). Um dos focos da minha carreira são os conflitos agrários. Sempre que acontecia um confronto entre índios e garimpeiros clandestinos nos distantes rincões do Brasil, o fato atraía a atenção de jornalistas de vários cantos do Brasil e de outros países ao redor do mundo. Nós tínhamos duas saídas. Ou nos matávamos correndo, cada um, para todos os lados atrás de informações, enfrentando toda espécie de dificuldades devido à carência de estrutura de comunicação – sem telefone, internet e com estradas ruins. Ou se “usava a cabeça” e formava-se uma espécie de “consórcio não oficial” entre os repórteres. Dividia-se o problema por setores e cada um ficava responsável por aquela parte. Antes de redigir a notícia, trocávamos as informações. Atenção. Não faziam parte do acordo as “informações exclusivas”. Só as básicas, como a cronologia dos fatos. Voltando à nossa conversa.
Se o galope do vírus aumentar ainda mais nesses 16 estados, vai ter oxigênio hospitalar para todo mundo? Essa é a pergunta que precisa ser respondida com exatidão. O momento que as redações vivem exige uma mudança na maneira de pensar dos diretores, dos editores e de outros cargos de mando no jornal. Os repórteres são jovens, mal pagos, com uma imensa carga de trabalho (fazem texto, foto, vídeo e áudio). O governo federal, além de desorganizado e hostil para com a imprensa, espalha fake news. A emergência sanitária se complica a cada dia porque as mutações do vírus aceleram a rapidez do contágio. As vacinas chegam a conta-gotas. E os leitores precisam urgentemente de informações precisas para conseguir sobreviver no meio dessa confusão. Não sei como os diretores e editores das empresas de comunicação vão descascar esse enorme abacaxi. Mas os empregos deles dependem disso. Já nós repórteres vamos precisar nos superar. Não pelos diretores e editores. Mas pelo nosso compromisso com o leitor e a sobrevivência do nosso nome profissional.