A imprensa do interior do Brasil, em especial as emissoras de rádio, precisam explicar melhor para os seus leitores e ouvintes o que significa o fato do Brasil estar caminhando a passos largos para o isolamento político e econômico perante a comunidade internacional. Por quê? Porque quem pagará o pato são os grandes, médios e pequenos produtores de grãos e carnes que abastecem os mercados mundiais. O que chamamos de agronegócio, importante setor da economia nacional que gera milhares de empregos e movimenta o comércio nas pequenas e médias cidades do interior. Uma coisa é a disputa política entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e os seus adversários, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP), o governador de São Paulo, João Doria (PSDB-SP), e outros possíveis candidatos nas eleições de 2022. Outra coisa são os clientes internacionais dos produtos brasileiros. É sobre isso que vamos conversar.
Já tive uma conversa semelhante com os meus colegas do interior do Brasil. Estou voltando ao assunto porque os sinais de que a vaca está indo para o brejo nas relações externas estão cada vez mais fortes. Lembro que os mercados internacionais têm regras que foram consolidadas nas últimas décadas. Duas delas são os esteios da globalização da economia: respeito à democracia e ao meio ambiente. Quem desrespeitar essas regras está fora. O governo do Brasil vem sendo alertado que não está cumprindo essas regras. Quem tiver dúvidas basta olhar os jornais. Por exemplo, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden (democrata), já recebeu seis cartas de deputados e senadores do seu partido pedindo providências em relação à política ambiental do Brasil, responsável pelo aceleramento da destruição da Floresta Amazônica. Inclusive o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinden, fará uma visita à América do Sul para tratar de negócios e não virá ao Brasil. Xi Jinping, presidente da China, também tem alertado o Brasil que a paciência chinesa tem limite. Bolsonaro, ministros e os filhos parlamentares do presidente, Carlos, vereador do Rio, Flávio, senador do Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal de São Paulo, não perdem oportunidade de proferir desaforos contra o governo chinês, que é o maior comprador de produtos do agronegócio brasileiro.
Nas conversas com pessoa importante do governo noto que há uma ideia de que o mundo faz vistas grossas às agressões à democracia, aos direitos humanos e à natureza praticadas pelo Bolsonaro porque haveria escassez de alimentos sem os produtos brasileiros. Não é verdade. Há dinheiro, tecnologia e terras disponíveis pelo mundo para a produção, como na África, onde os chineses estão investindo pesado na modernização da agricultura. Inclusive levando agricultores brasileiros para lá. Os Estados Unido são outro grande produtor de grãos e carnes. O Brasil ocupa a posição de grande produtor de alimentos porque vendeu essa ideia para a comunidade internacional. E não foi fácil vendê-la. Lembro que na década de 70, quando as fronteiras agrícolas brasileiras foram povoadas, houve um investimento muito forte em pesquisa e extensão rural – técnicos agrícolas levavam novas tecnologias de cultivo aos produtores. Nos anos 80, em plena ditadura militar, comissões formadas por empresários, governo e parlamentares de oposição saíam pelo mundo à procura de clientes para os grãos e as carnes produzidas no país. Todo esse trabalho está sendo colocando em risco. É isso que precisa ser explicado ao leitor. Como sempre digo. Em quem ele votará é problema dele. O nosso é fornecer informações sobre a situação.
Tenho conversado muito com colegas que trabalham nas emissoras de rádio pelo interior. A vida do repórter nesses rincões não é fácil porque o poder econômico pega pesado. Principalmente em período eleitoral, como o que vem por aí. Já foi pior. Hoje, com o surgimento de outras plataformas de comunicação, como os sites, as coisas melhoraram para o lado do repórter. Dentro de uma realidade dessas é fundamental o jornalista estar muito bem informado para poder navegar nesse mar. Tenho dito também a esses colegas que sempre é bom reforçar junto aos leitores e ouvintes que, seja lá quem for eleito em 2022, ele terá que obedecer as leis. Por quê? Simples. Se não o fizer, será preso. Lembremos que a democracia brasileira é jovem. Mas tem musculatura forte, como está demonstrando toda a vez que é atacada. Na semana passada, tive uma conversa com o dono de uma pequena emissora de rádio do interior do Mato Grosso do Sul. Nos conhecemos nos anos 1990, quando estive no Centro-Oeste fazendo reportagens sobre conflitos agrários envolvendo índios e garimpeiros. Na época, um dos escassos telefones na região era o dele. Desde então temos mantido uma “troca de ideias” sobre jornalismo e outros assuntos. Conversamos sobre as próximas eleições. Ouvi dele uma coisa que considero importante. Ele disse que o poder dos “caciques políticos” tem diminuído bastante na região. Lembrou que, até pouco tempo atrás, eles apareciam por lá, diziam em quem seus eleitores deveriam votar, e a maioria obedecia. Perguntei se ele sabia o motivo da mudança. Ele respondeu: “Ninguém mais é bobo, nem aqui nem no meio do mato”. Respondi: “Nem tem mais mato aí, vocês derrubaram tudo para plantar soja”. Ele retrucou: “Tu sabes do que estou falando. Não te faz de salame”.
Para arrematar a nossa conversa. Nos dias atuais a maioria das informações dos noticiários das rádios do interior é tirada dos sites dos grandes jornais. E é colocada no ar sem maiores explicações para o ouvinte, o que dificulta o entendimento do conteúdo da notícia. Há um número considerável de faculdades de jornalismo espalhadas pelo interior do Brasil. Bem que alguém poderia se organizar e montar centros de distribuição de notícias para essas emissoras. Além de ser uma boa oportunidade de treinar os alunos, prestariam um grande serviço aos ouvintes e leitores de jornais (papel) e sites das suas localidades. Fica a sugestão.