Uma oportunidade de refletir sobre o modo como fazemos jornalismo no Brasil. É assim que vejo e analiso o destino de dois personagens emergidos de dois casos que entraram para a história do país, um deles na Operação Lava Jato, e outro no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 do Senado, a CPI da Covid. Vamos aos fatos. O primeiro personagem foi punido pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). O procurador da República Diogo Castor de Mattos, 35 anos, foi demitido do cargo porque, quando atuava na força-tarefa da Lava Jato, ajudou a financiar um outdoor em Curitiba (PR) com seguinte texto: “Bem-vindo à República de Curitiba, terra da Operação Lava Jato, a investigação que mudou o país. Aqui a lei se cumpre”. Da demissão cabe recurso. O outro personagem chamo de “médicos da cloroquina”, como ficaram conhecidos os profissionais que esqueceram o seu compromisso com os seus pacientes e cerraram fileira com o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), na defesa do uso do Kit Covid contra o vírus da pandemia. Os remédios desse kit são inócuos contra o vírus e alguns deles, como a cloroquina, tem efeitos colaterais que podem levar à morte o paciente.
Qual o fio que une os dois personagens? A crença de que em nome de uma causa podiam transgredir a lei. A Operação Lava Jato estruturou a sua imagem perante a opinião pública de lutadora contra a corrupção graças a um bem montado e azeitado sistema de conseguir espaços na imprensa usado as brechas nas redações para vender o seu peixe. Explico. Elegeu jornalistas em redações estratégicas para vazar as suas informações. Teve sucesso porque se valeu da imensa concorrência que existe entre nós jornalistas. Dar um furo sobre uma investigação na Lava Jato não só fazia bem para o ego como abria espaço para o repórter colocar as suas matérias nos noticiários. Quando alguns colegas perceberam que estavam sendo usados, publicando meias-verdades, já era tarde, porque os relatórios de delegados da Polícia Federal (PF) e as deleções premiadas com conteúdos duvidosos já tinham sido tornado públicos como se fossem verdades incontestáveis. E a Lava Jato já tinha crescido na opinião pública a ponto dos jornalistas implorarem para obter fontes junto aos símbolos da operação, o então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba (PT) Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, chefe de Castor de Mattos. Moro montou um sistema em que havia um representante da operação em cada instância do processo judicial.
Na ocasião escrevi nos meus post e falei em palestras nas redações pelo interior do Brasil, para alunos de jornalismo e nas mesas dos botecos que, para a imprensa, a Lava Jato seria a mesma coisa que a Escola de Base, que o foi o maior erro jornalístico do Brasil. Em 1994, os jornalistas disputavam as informações da polícia de São Paulo sobre uma investigação a respeito de abuso sexual contra crianças que teria sido cometido por professores, motoristas de transporte escolar e os donos da escola. Detonamos a vida de todos os suspeitos. No final se descobriu que era tudo falso. Jornais, redes de TV e outras plataformas de comunicação foram condenadas pela Justiça a pagar indenizações milionárias.
Os processos da Lava Jato estão caindo um após o outro devido a denúncias feitas pelo site The Intercept Brasil sobre as irregularidades cometidas nos processos por Moro, Dallagnol e delegados da PF. As denúncias do Intercept Brasil foram as publicações das trocas de mensagens feitas por meio do aplicativo Telegram sobre os processos entre o juiz, procuradores e policiais – há matérias publicadas sobre o assunto na internet. A Lava Jato não acabou porque os corruptos venceram a luta e calaram juízes, promotores e policiais federais. Ela acabou porque Moro e Dallagnol agiram como justiceiros. Exatamente como aconteceu na Alemanha, nos anos 30, quando os nazistas se infiltram na Justiça.
Alguém deveria ter avisado o procurador Castro de Mattos quando ele entrou na Lava Jato que não estava entrando em um time de pelada de fim de semana. E que a sua lealdade ao grupo acabava no momento que o líder cruzasse a linha que divide a lei da ilegalidade. Os médicos da cloroquina sabiam desde sempre que o Kit Covid não funcionava. Muito pelo contrário, podia matar. Isso tudo foi demonstrado com abundância de provas pela CPI da Covid, que deverá votar o seu relatório final na próxima semana. O que vai acontecer com esses médicos agora? Os familiares das pessoas que foram tratadas por eles e morreram ou mesmo sobreviveram com sequelas vão acioná-los na Justiça pedido reparação. Os advogados têm uma abundância de provas contra eles nas mil e tantas páginas do relatório da CPI. Em uma conversa que tive com jovens médicos perguntei-lhes quem pagaria as indenizações para eles? Ninguém, eles vão ter pagar. Mais ainda: vão ter muita sorte se não tiverem os seus registrados profissionais cassados, principalmente os envolvidos no caso do plano de saúde Prevent Senior, de São Paulo – história na internet. As ilegalidades que aconteceram nos ambulatórios e hospitais da Senior têm ares das experiências feitas pelos nazistas em doentes nos anos 30, na Alemanha.
Arrematando a nossa conversa. Nunca se teve tantas informações na mesa para que se possa refletir sobre o futuro do jornalismo. O que aconteceu na Lava Jato e no combate à pandemia no governo Bolsonaro estará no centro do debate da disputa eleitoral de 2022. Não sei se li em um para-choque de caminhão. Ou alguém falou em uma mesa de boteco, onde todos ficam sábios à medida que as garrafas vazias vão sendo empilhadas. Aprendi que a juventude não nos torna inovadores e muitos menos a velhice nos deixa sábios. Mas é a desconfiança que evita que se pise em casca de banana.