Dia 26 de julho de 2017, a última quarta-feira do mês: a universitária Bruna Andressa Borges, 19 anos, transmitiu ao vivo pelo Instagram o seu suicídio, da casa onde morava, na vila militar, no bairro Bosque, em Rio Branco (AC). Antes, ela havia postado mensagens no Facebook, dizendo-se magoada com a vida. Amigos informaram o Corpo de Bombeiros, que não conseguiu evitar a morte.
Dia 26 de julho de 2006, uma quarta-feira: um jovem de 16 anos, que havia anunciado em seu blog que iria se suicidar naquela data, foi auxiliado e estimulado por participantes de um fórum de discussão na internet a suicidar-se. Do Canadá, uma estudante de Antropologia consegue informar à Polícia Federal (PF) sobre o que estava acontecendo. Foram enviados PMs ao apartamento do adolescente, no bairro São Geraldo, em Porto Alegre (RS). Ele já estava morto. Na ocasião, o jornal Zero Hora não revelou o nome da vítima a pedido da família, eu faço o mesmo. Sobre o caso, existe um inquérito na Polícia Civil e uma investigação na PF.
É coincidência os fatos em comum que unem os dois suicídios? Acrescentamos, ainda, o fato que, dois dias depois da morte da Bruna, o seu pai, o subtenente Márcio Augusto de Brito Borges, 45 anos, do 4º Batalhão de Infantaria da Selva (4º BIS), e a mãe, a ex-sargento Claudineia da Silva Borges, 39 anos, foram encontrados em casa mortos, provavelmente seja suicídio. A investigação que irá responder a essa pergunta será longa, complexa e cheia de armadilhas para o investigador. Hoje, a questão do suicídio entre os adolescente é uma realidade que tira o sono de muitos pais – os números estão disponíveis na internet.
Parte dessa investigação será feita pesquisando as reportagens que publicamos sobre o assunto. Isso reforça a minha opinião de que o repórter tem que informar o seu leitor, de maneira precisa e simples, sobre a complexidade que envolve o assunto suicídio. Para fazer isso, nós precisamos resolver alguns tabus que existem no nosso meio. Lembro que, quando entrei na redação, nos anos 70, uma das primeiras coisas que ouvi foi que não se noticiava suicídio, porque incentiva novos casos – é o chamado efeito Werther (um livro publicado no século XVIII, na Suécia, que gerou uma onda de suicídios). Lembro de várias investigações sobre mortes pela polícia, que, quando chegava a uma conclusão, a maioria das vezes de forma preliminar, que tratava-se de um suicídio, o caso desaparecia dos jornais. Muitas vezes me perguntei se era suicídio mesmo, mas nunca corria atrás para tirar a dúvida. O único suicídio que se noticiava era de notáveis.
Os noticiários entraram na era do online sem resolver o tabu da notícia sobre os suicídios. A concorrência entre os sites dos jornais forçou a quebra do tabu e, hoje, vivemos uma situação de dois extremos: em um dos lados, está a busca pela audiência a qualquer custo, onde a publicação de vídeos e fotos explícitas são os pilares das notícias. O caso do noticiário da morte da universitária no Acre é o exemplo mais recente dessa situação. Alertado pelo repórter Altino Machado, de Rio Branco, eu vi, li e ouvi o que a imprensa acreana publicou. A maioria é um absurdo. Daí eu entendo a indignação do Altino, que postou na sua rede social a avaliação da cobertura do acontecimento. O Acre é um dos nove estados da Amazônia Legal, uma região povoada de conflitos – madeireiros, garimpeiros, índios e fazendeiros. Altino conhece a região como a palma da mão dele.
No outro extremo da publicação sobre suicídios, está a morte do garoto de 16 anos em Porto Alegre, em 2006. Por ter sito um dos primeiros suicídios do Brasil assistido e incentivado por um fórum na internet, a maneira como foi abordado o acontecimento virou referência. No centro do que aconteceu, está o repórter Carlos Etchichury, de Zero Hora. Logo que estourou o caso, foi tratado de maneira discreta. Aqui cabe uma explicação. O Rio Grande do Sul perfila-se entre os estados brasileiros com o mais alto índice de suicídios – os números estão na internet – do país. Nasci em Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Parto, região colonizada por alemães e famosa pelo número de suicídios. Esse pano de fundo reforçou a posição de Etchichury, que era ir mais fundo no assunto e explicar exatamente o que aconteceu. Ao defender essa ideia, ele estava batendo de frente no tabu – que por muitos anos serviu para não pressionar o Estado por políticas públicas para o problema. No final, publicaram duas páginas de matéria, que teve repercussão nacional. Outras reportagens foram publicadas, campanhas de saúde pública foram feitas, e a palavra suicídio começou a aparecer nas páginas do jornal.
Seja lá qual for o resultado da investigação das coincidências entre os suicídios do Acre e do Rio Grande do Sul, o fato é que fica para nós, repórteres, um ensinamento. Não existem tabus nas redações. Só histórias mal contadas.
Esse assunto é interessante e, mais do que nunca, atual. Os casos de suicídio, em especial dos adolescentes, estão cada vez mais próximos dos nossos círculos familiares e de amigos. É hora do jornalismo fazer seu papel de verdade, alertando a sociedade.