Se não existissem os aplicativos na internet, poderia ter sido bem maior a devastação causada pela crise econômica entre os trabalhadores brasileiros. Pela primeira vez na história do país, a tecnologia de comunicação ajudou a criatividade dos brasileiros em sobreviver em um ambiente econômico hostil, habitado por 14 milhões de desempregados, a soma da população da Bolívia e o Uruguai.
Alerto aos meus colegas repórteres calejados e aos novatos para a necessidade de investigarmos o assunto e, com isso, fornecermos ao nosso leitor um quadro com informações precisas sobre a influência das novas tecnologias na sobrevivência dos desempregados. Fiz uma varredura nos noticiários – jornal papel, sites, rádios e TVs – sobre o assunto e encontrei escassas notícias sobre o assunto. Examinei os conteúdos das redes sociais e também não encontrei muita coisa. Então, o que vou escrever tem como esteio a observação e as conversas que tive com economistas e com muitas pessoas desempregadas – incluindo pequenos empresários que fecharam os seus negócios – que estão conseguindo pagar as suas contas graças aos aplicativos.
Os “empregadores” mais populares são os aplicativos de motoristas que concorrem com os taxistas. Desempregados, pessoas que tiveram seus salários reduzidos como maneira de manter o emprego, profissionais liberais e pequenos empresários formam o grosso do batalhão de motoristas dos aplicativos. Aqui, uma observação interessante. O surgimento dessa nova categoria foi logo percebido como uma maneira de tirar do atoleiro as locadoras de veículos. Atrás delas, vieram os postos de combustíveis e serviços que se beneficiaram da nova categoria.
O fato é que existem nas ruas das cidades médias e grandes brasileiras muito mais motoristas de aplicativo do que taxistas nos dias atuais. O surgimento do motorista de aplicativo agravou a crise dos taxistas, que já vinham sofrendo com a perda de passageiros devido à crise econômica. Além disso, os municípios deixam de arrecadar impostos. Aqui, nós, repórteres, precisamos explicar de maneira direta e simples ao nosso leitor os benefícios e os estragos que os aplicativos de motorista trouxeram para cotidiano das cidades brasileiras.
Há outro fato gerado pela popularização dos aplicativos na árdua luta pela sobrevivência do desempregado: a modernização da atividade do prestador de serviços. Com a crise na construção civil, centenas de operários desempregados se tornaram “faz tudo” – profissionais que fazem pequenos consertos nas residências. Conversei com muitos deles e destaco uma conversa que tive com um jovem marceneiro. Ele trabalha na construção de prédios e perdeu o emprego. De casamento marcado, ele foi se aconselhar com o seu pai, marceneiro aposentado, sobre qual destino deveria dar para a sua vida. Ouviu do velho a história de que um primo seu estava ganhando dinheiro fazendo bico de “faz tudo”. Começou a oferecer os seus serviços na sua rede de amigos e hoje ganha mais dinheiro do que no tempo em trabalhava com carteira assinada. Claro, ele não tem as vantagens trabalhistas do empregado.
A lista do uso de aplicativos pelo desempregado na venda de seus serviços é longa, principalmente no setor de alimentação. Um economista chamou a minha atenção para o seguinte. Ele disse que nas outras crises econômicas, antes dos aplicativos, os desempregados vendiam os seus serviços distribuindo panfletos nas esquinas e nos prédios. Os que tinham mais recursos colocavam anúncios nos classificados dos jornais. O fato é o seguinte: o grande desafio para nós, repórteres, é dimensionar o impacto que os aplicativos trouxeram na sobrevivência dos desempregados. Baseado apenas em observações, eu digo que eles deram um perfil ainda desconhecido para a atual crise brasileira. É uma matéria interessante a ser feita.