Desde que comecei a trabalhar como repórter, em 1979, tenho o costume de ficar atento às conversas das pessoas ao meu redor, principalmente quando falam sobre política em ano eleitoral. E por ter focado a minha carreira em conflitos agrários, migrações e crime organizado nas fronteiras, sempre viajei muito pelo país. Graças a esse costume que tenho de ouvir as conversas alheias já esbarrei em fatos que resultaram em boas reportagens e inclusive livros, como foi o caso do Brasil de Bombachas, que conta a história do povoamento das fronteiras agrícolas brasileiras pelos colonos gaúchos e seus descentes. E de País Bandido, onde mostro como as fronteiras brasileiras com o Paraguai, a Argentina e a Bolívia se tornaram sinônimo de crime organizado. Depois que sai da redação, em 2014, tive mais tempo de andar por aí ouvindo as conversas alheias e prestando atenção aos noticiários. No final do ano passado, um fato chamou a minha atenção. É sobre isso que vamos falar.
O que chamou a minha atenção foi a lentidão com que a equipe de marqueteiros e jornalistas da campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP) respondia aos desaforos contra o candidato espalhados pela máquina de publicidade do presidente Jair Bolsonaro (PL), que concorre à reeleição. Em janeiro, liguei para alguns velhos repórteres que conheço espalhados pelo Brasil e países vizinhos e conversamos sobre o assunto. Por conta desse fato, não fiquei surpreso com a crise que estourou há duas semanas entre os marqueteiros e jornalistas da campanha de Lula. Antes de seguir contando a história, vou dar uma explicação que considero importante para quem não é jornalista e para os jovens repórteres que estão na correria da cobertura diária das redações. Não vou analisar o conteúdo das mensagens. Vou analisar o tempo da resposta ao ataque. Por quê? O grau de rapidez do contra-ataque demonstra a qualidade da integração entre a equipe de marqueteiros e jornalistas com os vários setores do partido espalhados pelos quatro cantos do país. Terminada a explicação, vamos aos fatos. A lentidão da resposta a ataques sofridos pelo candidato decorre, na maioria das vezes, da ausência de uma integração entre marqueteiros, jornalistas, o partido e seus apoiadores. Por que isso acontece? Não foi por falta de competência do então responsável pelos marqueteiros, Augusto Fonseca, e muito menos do coordenador de comunicação da campanha, o jornalista Franklin Martins, 73 anos, ex-ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social no governo do ex-presidente Lula (2003 a 2011). Foi por desconhecimento da cúpula da campanha de como funciona a máquina de publicidade de Bolsonaro. Se a cúpula não fizer o tema de casa e saber com quem estão lidando, o substituto de Fonseca tem grandes chances de também fracassar.
A máquina publicitária de Bolsonaro começou a ser montada durante a sua campanha em 2018 e vem sendo aperfeiçoada até os dias atuais. Ela seguiu o modelo erguido por Steve Bannon, 68 anos, coordenador da bem-sucedida campanha eleitoral de Donald Trump, 75 anos, republicano que governou dos Estados Unidos de 2017 a 2021 – há uma vastidão de reportagens, documentários e livros sobre o assunto disponível na internet. Trump se notabilizou por ser uma pessoa politicamente incorreta, negacionista em relação à pandemia de Covid-19 e inimigo número um da imprensa. O trabalho sujo de validar as asneiras ditas por Trump e distribuídas nas suas redes sociais era feito pela rede de televisão Fox News. No Brasil, quem valida os ataques do presidente Bolsonaro e seus aliados distribuídos pelas redes sociais é a JP News (Jovem Pan). Os comentaristas políticos da emissora ficam todo o dia no ar desconstruindo a imagem de Lula, validando as teses de conspiração e de negação da ciência do presidente da República. Eles conseguiram fixar na opinião pública que Lula tem medo de ir para a rua fazer campanha, que é um bêbedo e que há uma grande conspiração em marcha para roubar a eleição de Bolsonaro. Eles falam isso várias vezes ao dia. Depois que a JP News valida essas notícias elas passam a circular pelos meios de comunicação, principalmente nas pequenas e médias cidades do interior do país e nas redes sociais familiares. Como reagir a esse esquema? Essa é resposta que a cúpula da campanha de Lula terá que encontrar.
Em linhas gerais descrevi como as coisas funcionam na bem azeitada e profissional máquina de publicidade do presidente Bolsonaro. Relacionei fatos que estão à disposição de quem procurar nas notícias que publicamos. Para entender esses fatos é necessário dissecá-los e cruzar as informações encontradas com outras para se ter um desenho do que está acontecendo. A exemplo de Trump, Bolsonaro não está fazendo uma campanha eleitoral tradicional. Ele está em uma guerra, na qual, se necessário, soldados serão sacrificados pelo objetivo maior. Algum colega acredita que ele esteja realmente preocupado com o destino do deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ)? O deputado foi condenado a oito anos de cadeia e perda do mandato pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) por cometer crimes contra a democracia – há matérias publicadas. O presidente assinou um decreto perdoando os crimes do parlamentar. O efeito desse decreto ainda não está claro, porque a sentença ainda não transitou em julgado. Mas o importante disse tudo: Bolsonaro está frequentando as manchetes dos jornais nacionais e internacionais. Certa vez ele disse que “fale bem ou fale mal, mas falem de mim”. Mais ainda. Teve um ganho político perante o bolsonarista raiz de que “não deixa ninguém para trás em uma batalha”. O que vai dar desse rolo? Ninguém sabe. E muito menos qual será destino do deputado. O presidente não vai perder o sono preocupado com isso. Logo ele vai bolar outra lambança para continuar nas manchetes.
Lula ficou na dele nessa história do deputado porque qualquer coisa que ele fale só irá “encher a bola do Bolsonaro”. É uma estratégia inteligente. De modo um geral, nas campanhas políticas as coisas acontecem em uma velocidade tal que o repórter não tem tempo de verificar a veracidade do fato. Daí a importância de se ter uma ideia de como as máquinas publicitárias dos candidatos funcionam. Não é fácil. Mas não é impossível. No exercício da nossa profissão aprendemos que na maioria das vezes a informação que chega aos nossos ouvidos precisa ser cruzada com o que escutamos das pessoas comuns conversando pelas ruas, nas filas de bancos, restaurantes e outros locais. No meio dessas conversas pode ter uma informação importante.