Qual é o interesse de Bolsonaro na questão indígena?

Maps do projeto Randam com áreas de minerais marcadas.
Projeto Randam que fez um levantamento das reservas minerais na Amazônia, especialmente as existentes nas áreas indígenas e o interesse das empresas mineradoras na região. Foto: reprodução/arquivo pessoal.

A delicadeza do equilíbrio que mantém estáveis os conflitos internos e externos envolvendo as comunidades indígenas do Brasil pode ser comparada a um castelo feito de cartas de baralho. Se uma carta errada for tirada, tudo desaba. E a maneira simplista como o presidente da República Jair Bolsonaro (PSL – RJ) se referiu à questão indígena durante a campanha eleitoral e as suas atuais pregações no assunto, a poucas semanas de assumir o cargo, mostram que ele parte do principio de que “índio é tudo igual”. Um exemplo dessa situação: a promessa que fez que , não irá reconhecer terras reivindicadas pelas comunidades indígenas.

A questão das terras  reivindicadas pelos índios é um dos problemas, e não é o mais sério. O que acontece? O problema das tribos do Sul do Brasil é um das que vivem no Centro-Oeste é outro, na Amazônia é bem diferente dos outros dois, e das estabelecidas no Litoral não têm nada a ver com os outros três. Mais ainda: a relação de cada uma das tribos com os seus vizinhos não índios depende da disputa pelo poder que é travada na aldeia entre as famílias indígenas. O caminho para o novo governo entender essa situação já foi traçado: começou em 1898, na época o Marechal e sertanistas Cândido Rondon iniciou o levantamento da questão indígena. Em 1910, foi criado o Serviço de Proteção ao Ìndio (SPI), que, em 1967, durante a Ditadura Militar (1964 a 1985), foi substituído pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

Trocando em miúdos: nos últimos 120 anos, o governo federal documentou a vida indígena no Brasil. E sabe quem é quem nas comunidades, os seus problemas e as soluções reivindicadas. Repórteres, nós precisamos examinar o que não foi dito nem escrito pelo grupo político do presidente eleito. Mas está ali nas entrelinhas das falas a pista para saber quais são as reais intenções deles com a questão indígena. Bolsonaro é capitão da reserva do Exército e faz parte da formação dos oficiais um mergulho no conhecido  dos problemas nacionais, principalmente em duas questões: os chamados vazios populacionais e as populações indígenas. Parte dos grandes vazios populacionais que existiam no Centro-Oeste e nas fronteiras do Rio Grande do Sul com os países castelhanos, os militares resolveram assentando agricultores nos anos 70. Eu conto parte dessa história no meu post  http://carloswagner.jor.br/blog/ao-nomear-o-presidente-da-udr-para-tratar-de-assuntos-fundiarios-o-governo-chama-o-mst-para-a-briga/.

Duas outras iniciativas nos anos 1970 ajudaram o governo federal a atualizar as suas informações sobre as populações indígenas. Em 1974, nasceu no meio universitário o Projeto Rondon, no início uma modesta iniciativa de mostrar para a juventude a realidade das populações que vivem nas áreas isoladas do país. A iniciativa cresceu, chegou a somar 350 mil universitários e envolveu vários órgãos governamentais (federais, estaduais e municipais) e as Forças Armadas.

Os levantamentos feitos pelo Projeto Rondon nas comunidades indígenas da Amazônia ajudaram os militares a atualizar os cadastros que já tinham. O Rondon acabou em 1980. A outra iniciativa foi o Projeto Radam (Radar na Amazônia) – um levantamento completo feito por aviões equipados com radares especiais das reservas minerais, dos recursos vegetais e hídricos. Especialmente dos recursos minerais existentes nas reserva indígenas.  Na metade dos anos 1980, eu encontrei geólogos que trabalharam nesse levantamento. Todos eles pessoas altamente qualificadas. Tive uma longa conversa com um deles, no Vale dos Sinos. Na ocasião, mostrou-me uma lista de reservas indígenas Raposa do Sol, Yanomani e Waiwai, em Roraima. Nessas áreas, o subsolo é rico em minerais, tipo ouro, bauxita e outros. No final dos anos 1980, estouraram vários garimpos clandestinos nessas áreas.  Alguns anos depois,  apareceu  o garimpo clandestino de diamantes na reserva indígena Roosevelt, dos índios Cinta Larga, em Rondônia. O que é importante observar: os garimpeiros raspam a crosta da terra. Para prosseguir na exploração, só tendo equipamento pesado. Ou seja: apenas as empresas mineradoras podem seguir em frente. 

Antes de seguir contando a história. Repórter não supõe uma situação. Ou é, ou não é. E, no caso dos minerais nas reservas indígenas, é seguro afirmar que Bolsonaro e os generais que fazem parte do seu grupo político só não sabem disso se andaram matando aulas na  Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN).  No outro extremo do Brasil, nas reservas indígenas do Rio Grande do Sul, o problema é mais complexo do que na Amazônia. São grandes extensões de terra no meio do minifúndio. Nos anos 1980, os agricultores corrompiam as lideranças para arrendar de maneira clandestina as terras e plantar soja. A pressão do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal (PF) fez com os arrendatários ilegais trocassem a estratégia. Agricultores começaram a se casar com índias e fazer carreira política dentro da tribo até chegar à liderança.

Essa estratégia acabou envolvendo as tribos gaúchas com o crime organizado: quadrilhas começaram a usar as reservas como esconderijo. Meninas indígenas foram prostituídas por bandos formados por lideranças indígenas e donos de cabarés. Um dos efeitos colaterais dessa situação: jovens se revoltaram e engrossaram os movimentos que lutam por mais terras para as tribos. No Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná, essas ocupações acontecem em regiões de minifúndios (até 20 hectares). O que começo dos conflitos indígenas não é de ouvir falar ou de ler. Eu estive lá como repórter: Raposas do Sol, Yanomamis, Cintas Largas, Guaranis (Dourados MS), Caingangues (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná).  Sei que as religiões católica, luterana, batista e assembléia de Deus têm muita tradição e força entre os indígenas do Sul do Brasil. Os novos pentecostais – Deus é Amor e outras – são novidades no meio indígena que vêm crescendo graças ao apoio eletrônico – rádios e TVs. Os novos pentecostais apoiaram Bolsonaro.  Qual a importância que esse apoio tem nas decisões do novo presidente?

3 thoughts on “Qual é o interesse de Bolsonaro na questão indígena?

  1. “Agricultores corrompiam as lideranças indígenas…”
    Então os culpados seriam os agricultores e não os próprios índios que se vendiam em prejuízo de seu povo?
    Essa inversão da culpa é semelhante àquela que isenta os funcionários públicos do alto escalão de se corromperem, culpando os entes privados. Pois quem recebe confiança, cargo e salário para zelar pelo interesse público são os agentes públicos, não os empresários. Minha suprema perspicácia me diz que quem deveria cuidar do cofres público é o político, não o empresário.

    É a velha visão marxista segundo a qual o capital representa o mal, a sedução do diabo, e isso automaticamente justifica o agente público ou a liderança indígena como pobres vítimas de uma sedução maligna.

    Mas o pior está por vir, dizer que o perverso homem branco chegava ao ponto de se casar com a índia para conseguir área pra plantar.
    Mesmo sem nunca ter estado lá e desconhecendo de perto o assunto, eu conheço muito bem a mentalidade marxista e o meu próprio país, para reinterpretar seu conto.

    É evidente que, sendo o Brasil é um país miscigenado e multicultural, aqui nunca houve discriminação baseada em raça. Portugueses se casavam com índias desde o descobrimento.
    É óbvio que todos esses casamentos são legítimos e sinceros entre pessoas que convivem numa mesma sociedade. E é natural que, um homem branco, de posses e vontade empreendedora terá influência sobre seus próprios parentes para conseguir arrendar ou comprar áreas.
    É muita perversão julgar que essas pessoas se casavam apenas para conseguir terras para plantar. Os marxistas são como crentes que enxergam o Diabo em tudo. Vivem de projetar no mundo ao redor sua própria malícia e perversão.

    1. Em primeiro lugar, eu estou honrado de ter recebido o seu comentário. Em segundo, eu sou repórter e busco informações e as divulgo. Não entrou sou debatedor. Mas leio com muita atenção e cuidado tudo que recebo por entender que todo o comentário é uma valiosa ferramenta de trabalho para o repórter. Muito obrigado.

    2. Desculpa a demora em responder. Todas as informações que constam no texto estão em vários inquéritos feitos pela Polícia Federal (PF), de Passo Fundo. Muitos dos inquérito acabaram virando processos tramitando na Justiça Federal. Parte deles também estão em livro que escrevi, em parceria com os colegaras repórteres André Pereira e Humberto Andreatta, chamado a Guerra dos Bugres. Também tem dezenas de reportagens que publiquei na Zero Hora, um delas é chamada Índias Prostituídas (com base na matéria forma dez pessoas presas e a polícia desmantelou uma quadrilha formada por indígenas e brancos). O processo tramitou na Justiça Estadual, na cidade de Redentora. Como tenho dito para o senhor: sou repórter, eu informo. Não sou debatedor.

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