Qual foi a jogada do governo Bolsonaro na Conferência das Mudanças Climáticas?

Acabar com o garimpo nas áreas indígenas é uma exigência da comunidade internacional. Foto: Reprodução.

Não é segredo. Os garimpeiros e os madeireiros ilegais apostaram as suas fichas nas eleições de 2018 no atual presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), porque ele prometeu desativar todas as trancas que impediam a entrada deles nas reservas indígenas e nas áreas de preservação da Floresta Amazônica. A promessa foi cumprida. Todo o aparato de fiscalização do governo federal foi desmontado, e as organizações não governamentais que trabalham na região em apoio aos índios, seringueiros e outros povos da floresta foram enxotadas do território nacional. Em nenhum outro governo, os garimpeiros e os madeireiros ilegais ganharam tanto dinheiro como nos dias atuais. Isso significa que há uma enorme quantidade de dinheiro girando e uma imensidão de pessoas trabalhando. Bolsonaro não esteve na Conferência das Nações Unidas Sobre Mudanças Climáticas (COP26) que aconteceu na última semana de outubro em Glasgow, na Escócia. Esteve o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite. Com a aprovação do presidente da República, o ministro se comprometeu com o acordo de reverter os efeitos do gás metano e o desmatamento da Floresta Amazônica até 2028. Por que Bolsonaro não foi à conferência? Falaremos sobre isso lá adiante.

Para cumprir esse acordo, o governo federal terá que mover ações na Justiça e colocar na cadeia os garimpeiros e os madeireiros ilegais. Os nomes dos principais envolvidos com o garimpo nas áreas indígenas e a derrubada da mata estão em vários inquéritos na Polícia Federal (PF). Por exemplo, o inquérito do delegado Alexandre Saraiva, que investigou o envolvimento do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles com contrabandistas de madeira para os Estados Unidos e Europa. Também há vastidão de informações da PF sobre a ação dos garimpeiros nas reservas indígenas, especialmente em duas delas: a extração de ouro na área dos ianomâmis situada na fronteira de Roraima com a Venezuela, e de diamantes nas terras dos cintas-largas, na divisão de Rondônia com o Mato Grosso. As pessoas que enriqueceram com o garimpo e a extração ilegal de madeira têm como mania ostentar a sua riqueza. Conheço profundamente a região. Depois da COP26, qual tem sido a conversa dos cabos eleitorais de Bolsonaro com os garimpeiros e madeireiros ilegais? A conversa é muito simples. Se o presidente não for reeleito, quem sentar na cadeira presidencial vai cumprir o acordo do clima, e isso significa que os negócios ilegais vão acabar. Portanto, se quiserem continuar fazendo os seus negócios precisam trabalhar pela reeleição do presidente.

É assim que as coisas funcionam lá naquele canto do Brasil. Os garimpeiros e os madeireiros ilegais não estão com Bolsonaro por uma questão ideológica. Mas de negócios, como já fizeram com outros dirigentes do país. O que existe de diferente nos dias atuais naquela região é a pressão muito forte do agronegócio para que as leis que protegem os índios, a Floresta Amazônica e os outros povos extrativistas sejam cumpridas, porque caso contrário os Estados Unidos e os países europeus vão retaliar os produtos brasileiros. E se o fizerem, os mais prejudicados serão os produtores de grãos, carnes e outros produtos agrícolas. Para seguir contando a história, vamos responder à pergunta feita lá no início do post. Por que Bolsonaro não esteve na conferência de Glasgow? Há uma fileira enorme de motivos expostos pelos noticiários. Mas um deles está sendo pouco explorado e acredito ser ele o fio da meada para se entender qual foi a jogada do governo brasileiro na COP26. Bolsonaro não foi à conferência pelo mesmo motivo que não toma a vacina contra a Covid-19. Ele não se vacina porque é negacionista a respeito do poder de contágio e letalidade do vírus, que já matou mais de 600 mil brasileiros. Isso faz parte do perfil político dele e, portanto, é um elo que o une a importante segmento dos seus seguidores. Raciocínio semelhante serve para explicar sua ausência na COP26. Ele não foi à conferência porque sempre defendeu o garimpo em terra indígena, a derrubada da Floresta Amazônica e a aniquilação das leis que protegem o meio ambiente. Ele nunca fez segredo disso. Concordou com o comprometimento do Brasil nas questões do efeito estufa e do desmatamento porque um setor importante do empresariado, incluindo o agronegócio, o está pressionando, por temer a retaliação internacional aos produtos brasileiros.

O objetivo atual de Bolsonaro é se reeleger. Sabe que os ecologistas e defensores dos direitos humanos não vão votar nele. Também sabe que uma boa parte dos empresários que o pressionaram a aceitar os compromissos com o meio ambiente na COP26 estão envolvidos com a articulação da terceira via, um candidato a presidente que quebre a polarização entre Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP). Aceitou a pressão dos empresários para dar um recado de que pode mudar se isso for necessário para ser reeleito. Vou lembrar o seguinte aos meus colegas repórteres. Nós acumulamos nesses quase três anos de governo Bolsonaro um razoável estoque de conhecimento sobre como ele age nas situações que encontra pela frente, seja elas favoráveis ou desfavoráveis. Todos nós sabemos que, pelo tempo que resta para as próximas eleições presidenciais (outubro de 2022) e a velocidade como as coisas estão acontecendo atualmente, é impossível fazer qualquer tipo de previsão. Isso quer dizer que todos que vão disputar as eleições teoricamente têm chance de ganhar. Esse é o jogo que só acabará quando o juiz der o apito final. A influência que terá nas eleições de 2022 o que aconteceu na Escócia ninguém sabe. Mas vai influenciar e todos sabem disso.

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