Qualidade dos jornais: o impacto dos baixos salários, do extermínio dos velhos repórteres e do excesso de trabalho dos novatos

Instrumentos de trabalho do repórter nos anos 30: o chapéu, o café, o cigarro e a máquina de escrever . Foto: divulgação

Ser um velho repórter não é sinônimo de sabedoria. E ser um jovem repórter não é sinônimo de inovação. Desde que o mundo é mundo, nas redações, a troca de ideias entre os veteranos e os novatos tem resultado na qualificação das reportagens. A técnica de como fazer jornalismo não está escrita em manual algum. Ela é resultado de um conflito diário entre as gerações de jornalistas. Essa lógica natural da nossa profissão foi quebrada com o extermínio em massa dos velhos repórteres nas redações brasileiras. E pelo excesso de trabalho e pelos baixos salários que, atualmente, pagam aos novatos.

Essa é a realidade nua e crua das redações brasileiras de hoje. Ela é responsável pela questionável qualidade das notícias que publicamos. Tenho dado essa explicação nas palestras que faço em faculdades e pequenas e médias redações do interior do Brasil e nas conversas que tenho com consultores de economia e política de grandes empresas. A consequência disso é a perda de assinantes, que reflete na perda de credibilidade do noticiário – jornal (papel ou site), rádio, TVs (aberta e por assinatura) e outras mídias. Sou testemunha dessa realidade. Tenho 67 anos, 40 como repórter investigativo, e ano a ano assisti as notícias que publicamos irem perdendo o impacto entre os leitores. A curiosidade me levou a perguntar aos leitores os motivos pelos quais os noticiários perdiam prestigio. A resposta foi curta e grossa. Nós não falamos mais sobre os assuntos importantes para os leitores no seu dia a dia.

E qual o motivo que nos levou a nos afastar do interesse do leitor? A dinâmica da realidade do assinante acontece em uma velocidade a jato. E a das redações, de maneira lenta. Graças, em parte, à estrutura administrativa das redações brasileiras, que foram, são e continuaram sendo por muitos anos centralizada no poder do editor-chefe, modernamente chamado de executivo, escolhido pela sua sintonia com a ideia de jornalismo da casa, que, na maioria das vezes, está mais sintonizada com o poder político do que com as necessidades dos seus assinantes. E, por muitos anos, o poder dos editores foi questionado pelos velhos repórteres. Esse questionamento sempre serviu de contraponto para os novatos questionarem os conteúdos das pautas – no jargão dos jornalistas um assunto a ser apurado. Sem o velho na redação, não tem contraponto. E sem contraponto, vale a orientação oficial do editor.

Os velhos não foram exterminados das redações porque os editores queriam eliminar a concorrência. Aliás, os editores pouco ou nada tiveram a ver com o extermínio. O extermínio foi determinado pelas consultorias contratadas pelos donos dos jornais, que fizeram as suas análises baseadas nos salários. O velho produz menos e ganha mais que um jovem, ponto. O resto é conversa para boi dormir, como me falou um consultor. Há um detalhe importante aqui que precisamos debater. O que é ser velho na redação ? É a idade? Lembro que, nos anos 80, um grande jornal de São Paulo decidiu que o repórter ou o editor que tivesse mais de 30 anos era velho e estava fora. Foi um escândalo. Hoje, ser velho na redação é ganhar um salário acima da média. A maioria que conseguiu atingir esse patamar de salário foi devido aos seus méritos no desempenho da sua profissão. Uma coisa que não interessou na hora aos consultores, que recomendaram aos donos dos jornais quem deveriam cortar.

Essa é a realidade. E tenho defendido, nas minhas palestras, que não podemos culpar o jovem repórter pela qualidade dos noticiários atuais – além de ser uma pessoa muito atarefada, é mal pago. A situação atual é resultado da ignorância dos consultores sobre a realidade brasileira. E da falta de conhecimento dos proprietários de jornais a respeito do seu negócio. Aqui, quero lembrar uma história que ouvi de um agente da Polícia Rodoviária Federal (PRF), certa vez, quando vinha pela BR 386 (liga a Região Metropolitana de Porto Alegre com o norte do Estado). Era madrugada de domingo, eu vinha de Constantina (cidade a 380 km da Capital) para assumir o plantão no jornal. Fui parado em uma barreira, e o policial olhou a CNH e disse:
– Está vencida.
Surpreso, eu respondi:
– Não tinha visto. E agora? Eu preciso seguir viagem, porque estou de plantão. Tu sabe como é a história do plantão? Quando alguém não vai, estoura nas costas de outro colega.
Depois de meia hora de conversa, ele me respondeu:
– Tu sabe que o diabo fecha uma porta. Mas abre outra. Liga para alguém que tenha CNH, e ele vem aqui, assume o carro, e vocês seguem viagem.
Liguei para um amigo que morava a uns cinco quilômetros da barreira. Ele veio, e seguimos viagem. Consegui chegar a tempo de fazer o plantão.

Graças às novas tecnologias, há um vasto número de repórteres velhos desempregados existentes hoje no Brasil que estão conseguindo sobreviver fazendo publicações eletrônicas especializadas – política, negócios, cultura etc. Conheço um grupo que faz consultoria sobre conteúdos para jornais do interior do Brasil. Em São Paulo, no meio do ano, eu estava enchendo a cara em um boteco com um velho repórter que se tornou consultor de conteúdo e, lá pelas tantas, eu falei:
– Os grandes jornais já te chamaram para dar consultoria?
Depois de sorver um gole de vinho, ele respondeu:
– Eles, não. Mas a consultoria que aconselhou eles a demitirem os velhos da redação, sim.

Se ele falou isso de brincadeira ou não, eu não perguntei. Só sei que rimos muito. Hoje, eu penso. No jovem repórter que, com o tratamento dado pelas empresas – baixo salário e excesso de trabalho –, reforça a ideia de montar o seu próprio negócio. Eles estão usando as redações como uma espécie de curso de pós-graduação na profissão. Será que essa história de os velhos estarem no ramo de consultor de conteúdos e dos jovens montando os seus próprios negócios não é a tal porta aberta pelo diabo da qual o policial da PRF me falou naquela madrugada, na BR 386?

3 thoughts on “Qualidade dos jornais: o impacto dos baixos salários, do extermínio dos velhos repórteres e do excesso de trabalho dos novatos

  1. Quem fatura menos de 80 mil reais por ano pode se cadastrar como Micro Empreendedor Individual (MEI). Pagará só 54 reais por mês de tributos, poderá passar nota fiscal online e contará tempo para a aposentadoria. Até maio de cada ano, terá de preencher uma declaração de renda da empresa, além da declaração de pessoa física.

    Peneirei as atividades às quais um jornalista MEI pode se dedicar:

    Código da Atividade Principal / Descrição da Atividade Principal
    ———————————————————————————
    58.13-1/00   Edição de revistas

    Código da Atividade Secundária / Descrição da Atividade Secundária
    —————————————————————————————-
    74.20-0/01   Atividades de produção de fotografias, exceto aérea e submarina
    58.12-3/02   Edição de jornais não diários
    58.12-3/01   Edição de jornais diários
    74.20-0/04   Filmagem de festas e eventos
    63.99-2/00   Outras atividades de prestação de serviços de informação não especificadas
    anteriormente
    59.12-0/99   Atividades de pós-produção cinematográfica, de vídeos e de programas de televisão não especificadas anteriormente
    58.11-5/00   Edição de livros
    58.19-1/00   Edição de cadastros, listas e de outros produtos gráficos

    Ao registrar sua MEI, coloque todas estas atividades.

  2. é preciso aceitar que algumas mudanças são prá sempre.. e partir para o novo mundo.. o que vcs estão esperando para fazer uma cooperativa de “jornalistas velhos”, em uma plataforma capaz de recriar o ambiente dos jornais, com dirigentes eleitos pela própria base de jornalistas? Sabia que isso é extremamente simples de fazer, sob o ponto de vista tecnológico.. o mais difícil é convencer a galera sobre os benefícios de trabalhar juntos..

    1. Também acho. Aliás, emprego deveria ser proibido. Mais especificamente, a relação patrão/empregado. Só empresas deveriam poder vender serviços, e só os serviços de seus sócios ou associados. Aí, os sindicatos se transformariam grandes cooperativas de trabalho que associariam todos os profissionais da área, inclusive os que estão sem trabalho. Dessa forma, podem contabilizar e incluir em seus custos o trabalho estocado, que é o que representa um desempregado. Nenhuma empresa sobreviveria se não contabilizasse os estoques. Por que os trabalhadores não poderiam fazer o mesmo? Este arranjo resultaria em desemprego ZERO.

      Junte a isto contratos de trabalho proporcionais ao desempenho da empresa contratante (isto é, remuneração como custo variável e proporcional, não mais como custo fixo), e nós teremos uma economia resistente à crises e uma remuneração justa para o trabalho, o pé mais fraco do tripé econômico “produtores+comerciantes+servidores”.

      Mas a esquerda teria de abrir mão do salário fixo, uma de suas maiores conquistas. E os ex-patrões teriam que abrir mão de quererem mandar nas pessoas autoritariamente.

      Ambos seriam praticamente sócios, repartindo os riscos e os lucros.
      Seria a *Primeirização*. Enquanto a terceirização coloca mais um patrão na roda, a Primeirização acaba com todos os patrões. E com empregados. E com desempregados.

Deixe uma resposta