Nada mexe mais com os mercados do que as palavras que saem da boca do presidente da República em um país democrático, principalmente se for da América do Sul, um continente que tem uma longa história de sangrentos golpes militares e se perfila entre os grandes fornecedores de matérias-primas para o mundo. No caso do Brasil, além de ser produtor de minérios, também é um dos grandes fornecedores de alimentos para o mundo, e em 1964 sofreu um golpe militar que custou a vida de centenas de civis e que perdurou até 1985. É quase um consenso entre os jornalistas que são um blefe as constantes ameaças feitas por Bolsonaro de que as eleições de 2022 não acontecerão porque as urnas eletrônicas não são confiáveis – há dezenas de matérias na internet dizendo o contrário. Por que é blefe? Não existe apoio popular. E caso as Forças Armadas concordassem com o golpe, elas não têm meios materiais de dominar pelas armas o Brasil, um país continental, com mais de 200 milhões de habitantes e uma economia complexa. Mas o blefe é um importante combustível para mexer com os mercados. Que quando se mexem geralmente beneficiam a poucos e causam prejuízos a muitos. Fiz essa contextualização sobre o que vamos conversar porque fui provocado por um grupo de jovens repórteres que fizeram uma pergunta simples: quanto custam para o bolso do brasileiro as ameaças às eleições de 2022 feitas por Bolsonaro?
Eu não sei quanto custa ao bolso dos brasileiros as ameaças de Bolsonaro. Procurei a informação em uma vasta quantidade de matérias publicadas nos jornais (sites e papel), TVs, rádios e outras plataformas de comunicação e não encontrei um número confiável. O que encontrei é que as primeiras ameaças feitas pelo presidente da República mexeram significativamente com a cotação do dólar. Mexer com o dólar é mexer em toda a economia brasileira. À medida que as ameaças foram se tornando mais frequentes, os operadores do mercado foram dando menos valor e, portanto, a oscilação do dólar aconteceu em percentuais menores. Conversei com alguns operadores de mercado e com economistas sobre o assunto. Concordamos que todos os políticos usam o blefe como moeda na disputa política. É do jogo. Mas o que há de diferente com o presidente da República? A sua história, resumiram. Ela é conhecida. Mas é tema de casa para os jovens jornalistas conhecerem. A vida militar do presidente da República foi um fracasso. Entrou no Exército em 1977 e pulou de uma confusão para outra até ser preso, julgado, inocentado e “convidado a sair” do quartel em 1988. Empunhando a bandeira de melhores salários para os militares, ele migrou para a vida parlamentar se elegendo vereador do Rio de Janeiro e depois deputado federal por sete mandatos. Em 2018, graças a um somatório de fatores, se elegeu presidente da República. Um bom emprego para um capitão reformado do Exército, que teve uma vida parlamentar discreta e toda vez que conseguiu espaço nos jornais foi graças a um absurdo dito para um repórter sem assunto para uma reportagem de fim de semana. Por tudo que li a respeito dele, é um sobrevivente que até agora conseguiu abrir caminho na “porrada” sempre que foi colocado contra as cordas pelos seus adversários. A situação que vive hoje é diferente de todas as outras que já enfrentou porque foi levado às cordas pelos erros cometidos no seu governo.
Antes de seguir conversando. O que estou escrevendo e vou continuar contando não é opinião. Estou relacionando fatos que publicamos nos nossos noticiários, livros que li e documentos a que tive acesso. Um dos melhores livros que li foi O Cadete e o Capitão, de autoria do repórter Luiz Marklouf Carvalho. A minha geração de repórter fez faculdade nos anos 60, começou a trabalhar na década de 70 e até hoje desconfia das reais intenções de “salvadores da pátria”. Voltando à nossa conversa. O presidente assumiu o seu mandato com a convicção de que as Forças Armadas o apoiariam em um golpe de Estado. Fez uma baita lambança nas manifestações apoiadas pelos seus seguidores pedindo a intervenção militar – há dezenas de matérias na internet e um processo no Supremo Tribunal Federal (STF). Tentou destruir por dentro órgãos governamentais, como os ligados ao meio ambiente, com o objetivo de beneficiar os madeireiros clandestinos e os garimpeiros na Floresta Amazônica usando o então ministro Ricardo Salles. Detonou a Polícia Federal (PF) colocando gente de sua confiança em postos-chaves. Montou uma máquina de fake news profissional e muito bem articulada para levar à população a versão dos fatos.
Então é nesse ringue que descrevi que o governo Bolsonaro luta para se manter em pé. E quem tenta derrubá-lo não são petardos disparados pela oposição. Não, foram atitudes tomadas na administração federal que são contrárias à lei e acabaram complicando a vida de Bolsonaro como, por exemplo, o negativismo dele em relação ao poder de contágio e letalidade da Covid-19. A Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado da Covid-19, a CPI da Covid, está colocando as digitais do governo federal nas mais de 500 mil mortes de brasileiros pelo vírus. Bolsonaristas como o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) estão denunciando corrupção na compra de vacinas pelo governo. Conversei com colegas que trabalham em campanhas políticas em Brasília. A crença geral é que o presidente vive dentro de uma realidade que ele montou. Não gosta de ser contrariado. E faz do palavrão a linguagem oficial do seu governo. E o uso do blefe é uma maneira de parecer que é um homem que precisa ser temido.