Nas entrevistas para os repórteres na saída do Palácio da Alvorada, o presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) costuma usar a expressão “não atirem no meu colo” quando é perguntado sobre um assunto que julga não ser de sua responsabilidade. Como é o caso do balanço do ataque do coronavírus no país, feito pelo Ministério da Saúde, e que cobre o período de 1º a 30 de abril. A expressão utilizada pelo presidente começou a rodar no linguajar dos policiais de plantão nas delegacias nos anos 70, foi transportada para as redações pelos repórteres que faziam a cobertura da área policial, e lá permanece até os dias atuais. Ninguém sabe de onde ela surgiu, mas a usamos para designar o responsável pela “bronca”, como os repórteres policiais costumavam se referir a um assunto ainda a ser esclarecido. Dito isso, vamos aos fatos, diriam os editores dos jornais nos tempos das máquinas de escrever.
O balanço de abril do Ministério da Saúde mostra que no dia 1º havia 6.836 pessoas infectadas pelo coronavírus do Brasil, das quais 241 morreram. No dia 30, eram 85.380 infectados, com 5.901 óbitos. Em 30 dias, houve um aumento no número de infectados de 1.249% e de mortos, de 2.448%. No feriado de 1º de maio, circulou nos noticiários dos sites, jornal papel, rádios e TVs uma informação do Imperial College London, Inglaterra, de que o percentual de contágio no Brasil é de 2,8, o mais alto do mundo. Significa que um infectado contamina mais três pessoas. Uma observação que deve ser levada em conta pelos meus colegas repórteres, principalmente os jovens que fazem um monte de pautas por dia e, portanto, não têm tempo de cruzar as informações com várias fontes antes de escrever. A taxa de contágio muda semanalmente. Hoje (1º/05), o Brasil ocupa o primeiro lugar, amanhã pode ser outro país. Devemos somar a essa situação mais dois fatos: o primeiro é que os serviços de saúde pública de Manaus (AM) entraram em colapso e as pessoas estão sendo enterradas em valas comuns – há várias matérias na internet. Em segundo que na cidade do Rio de Janeiro, o cartão-postal do Brasil, as pessoas estão morrendo por falta de vagas nos hospitais. Em vários outros cantos do mundo, o coronavírus vem amontoando doentes nos hospitais. Já somam mais de 3,3 milhões de infectados e 235 mil mortos. A maior, ou menor, letalidade do vírus depende do país ter seguido ou não as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), que tem como viga-mestre o isolamento social, ou fica em casa.
Essas são os fatos que se somaram e determinaram a atual situação dos brasileiros. Qual é a responsabilidade de Bolsonaro? O que vou escrever não é opinião ou teoria. É fato e faz parte do que publicamos nos nossos noticiários, incluindo sonoras do próprio presidente. No final de março, o Gabinete do Ódio, como é chamado o grupo de pessoas que fazem parte do círculo íntimo do presidente, incluindo os seus três filhos, Carlos, 37 anos, vereador do Rio, Flávio, 38, senador do Rio de Janeiro, e Eduardo, 35, deputado federal de São Paulo, decidiram que o ambiente criado pela guerra ao coronavírus era uma oportunidade de reforçar o prestígio do pai. Lembro aos meus colegas o seguinte. Até estourar a bronca do vírus, a imagem que havia colocado em Bolsonaro era de “Rainha da Inglaterra”, designação que usamos para dizer que é uma figura decorativa. No final de março, Bolsonaro foi à guerra contra o vírus. Não pelos brasileiros. Mas pelas manchetes dos jornais. Enquanto o seu ministro da Saúde, o médico Luiz Henrique Mandetta, incentivava os brasileiros a seguirem as normas da OMS e defendia o isolamento social como única estratégia eficiente de retardar o avanço do vírus e dar tempo de preparar a estrutura hospitalar, o presidente não só sabotou o trabalho do seu ministro como o demitiu no dia 17 de abril. Não parou aí. Uma semana e poucos dias depois, em (24/04), pressionou até fazer se demitir o ministro Sergio Moro, da Justiça e Segurança Pública, ex-juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba (PR) que ficou famoso com seu trabalho na Operação Lava Jato. Moro abandonou uma carreira na magistratura de 22 anos para ser ministro de Bolsonaro.
Com todos esses barulhos, o presidente virou manchete nos jornais ao redor do mundo. E conseguiu misturar a emergência de saúde, inédita na história recente do Brasil, com uma crise política enorme que ainda não se sabe como irá terminar. E a opinião geral, entre especialistas e cientistas, é de que o ex-ministro Mandetta foi demitido por estar fazendo a coisa certa. E Moro por ter barrado os interesses da família Bolsonaro na administração da Polícia Federal (PF). Muito embora a responsabilidade pelo isolamento social seja dos governadores e dos prefeitos, Bolsonaro usou o seu prestígio popular para boicotar essa estratégia – tem uma enormidade de matérias disponíveis na internet. Portanto, podemos concluir: o presidente Bolsonaro é o responsável pela maior parte das mortes e outros danos que o vírus está causando aos brasileiros. Mas o colo dele é pequeno para tanta responsabilidade. É preciso dividi-la com o Gabinete do Ódio, principalmente os seus três filhos. Colegas, precisamos lembrar aos nossos leitores que o presidente é a ponta de lança de um grupo de pessoas a quem chamamos de Gabinete do Ódio. É por aí a história.