Todo vez que um leitor de jornal papel ou online cancela a sua assinatura, ele ensina ao repórter uma lição. Saber procurar o ensinamento e decifrá-lo é fundamental para a sobrevivência profissional do repórter. Esse ponto de vista eu tenho defendido em minhas palestras e conversas informais com os jovens repórteres e os professores de faculdades de jornalismo. No meio do ano, eu conversei sobre esse assunto com repórteres de todos os cantos do Brasil, durante a realização do 12ª Encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji),em São Paulo, onde fui honrado com uma homenagem.
Antes de seguir com o papo, considero importante colocar na mesa algumas informações. A minha geração de repórteres, que começaram a carreira nos anos 70, viveu na era da abundância, em que os grandes grupos empresariais de comunicação eram economicamente fortes. E o que se passava com o leitor era um assunto que raramente fazia parte das conversas entre os repórteres, tanto dentro da redação quanto nas mesas dos botecos. Por ter começado a trabalhar em jornal no departamento de circulação – responsável pela colocação dos jornais nas bancas e esquinas e pela entrega de assinaturas –, aprendi desde cedo a importância de observar o comportamento do leitor.
Até a metade dos anos 70, a principal maneira de vender o jornal era a avulsa – que acontecia nas bancas e nas esquinas das cidades. Na avulsa, vendia quem tinha a melhor manchete de capa. O aperfeiçoamento do sistema de assinaturas acabou com a venda avulsa. E isso determinou uma mudança de poder nas redações. O repórter “furuncador” que vendia jornal perdeu o poder para um jornalista tecnicamente muito mais preparado – por ter frequentado boas escolas e ter uma visão globalizada dos fatos. Esse novo personagem nas redações implantou a chamada reportagem-tese, que consistia em ter uma boa ideia sobre um assunto que os editores decidiam que era do agrado do leitor. A ideia era rodeada por depoimentos de entrevistados, informações técnicas e boas fotos e se transformava na principal reportagem do jornal.
A reportagem-tese implantou e consolidou nos jornais uma mudança importante no conteúdo das matérias: na venda avulsa, os conteúdos vinham das ruas para a redação. Na assinatura, da redação para as ruas. Em termos simples, podemos interpretar essa mudança de fluxo assim: o jornal já estava vendido. Não interessava mais a manchete. Para as empresas, a venda de assinaturas foi um grande negócio, porque elas adiantavam as receitas – que antes dependiam da venda avulsa –, e a carteira de assinantes era uma ferramenta importante na hora de vender anúncios. Pesquisas feitas por universidades – que podem ser encontradas na internet – mostram que, por um bom tempo, os anúncios cobriram mais de 50% do custo da publicação.
Esse é o contexto quando chega a popularização do uso da internet. Os grandes grupos de comunicação migram para a internet, levando um vírus mortal: a crença de que é a redação que sabe o que o leitor precisa ler, ouvir e ver. O financiador desse sistema, o anunciante, saiu de cena. Ele migrou para novas formas de venda bem mais em conta, trazidas pelo uso da internet. Com a fuga dos anunciantes, restou o leitor. É dentro desse contexto que os repórteres novatos devem ouvir com muita atenção os motivos pelos quais os assinantes cancelaram suas assinaturas dos jornais papel e online, das revistas e das TVs a cabo.
Conversei com ex-assinantes em cinco estados e com empresas distribuidoras de jornais e revistas. E o que me relataram eu tenho conversado em palestras com estudantes e repórteres novatos e nas redações dos jornais e das rádios do interior do Brasil. O meu relato não é científico. É uma conversa de um repórter calejado pelo tempo. Tenho 40 anos de estrada, 36 prêmios de jornalismo e 17 livros escritos. De tudo o que ouvi de ex-assinantes e de distribuidores de jornais e revistas, uma coisa merece todo a nossa atenção. Todos eles reclamaram que as mesmas notícias se repetiam ao longo do dia, em todas as plataformas – papel, site, rádios e TVs. Sem, pelo menos, serem atualizadas. Nessas conversas que tive com os ex-assinantes, eu me dei conta de um fato que gostaria de compartilhar com os professores das faculdades de jornalismo e pesquisadores do ramo. Todos os departamentos de circulação dos grandes grupos de comunicação – jornais, rádios e TVs – têm relatórios diários com informações preciosas sobre os motivos que levaram o assinante a cancelar a sua assinatura. Analisar esses relatórios é fundamental para o futuro do jornalismo. Não há uma lei que obrigue as empresas a dar acesso a esses relatórios. Mas dá para negociar.
O momento atual é cruel para o repórter: demissões, baixos salários, excesso de trabalho e um leitor extremamente exigente. A diminuição do tamanho dos grandes grupos de comunicação fez nascer um vácuo que tornou-se um berçário para um novo repórter que está sendo gerado. Esse novo profissional não sai da faculdade para procurar emprego em uma redação. Ele monta o seu próprio negócio. Aqui, quero chamar atenção para o seguinte: jornalista montar o seu negócio é uma coisa velha no mundo. Lembro que, quando estive trabalhando na Guerra Civil de Angola (1975 a 2002), todos os correspondentes de guerra com quem cruzei por lá, com exceção dos chineses, tinham suas empresas e vendiam os seus conteúdos. Conversei e enchi a cara com um repórter francês e outro inglês e falamos muito sobre como eles trabalhavam. Parte do dinheiro que eles ganhavam era reservada para financiar a próxima cobertura. Aqui no Brasil, a maneira como a imprensa alternativa operava durante os governos militares (1964 a 1985) é um dos caminhos que podem ser trilhados pelas novas gerações de repórteres.
Jamais na história da imprensa brasileira uma geração de repórteres teve tantas chances de ser dona do próprio nariz como a atual. Vejamos: o barateamento das novas tecnologias (internet e equipamentos) baixou enormemente os custos das coberturas. A formação técnica do repórter foi aperfeiçoada (ele fala vários idiomas) e a existência de ONGs ao redor do mundo ajuda muito o acesso a informações. Mas a garantia para que tudo isso saia certo é conhecer as informações dos motivos que levaram os leitores a cancelar suas assinaturas. Sem essas informações, o erro pode se repetir. O que será fatal.
Excelente!
Boas questões, Wagner. Abração!
Boas lições do mestre Carlos Wagner! Abraço.